Cesar Dorfman é arquiteto, gaúcho, formado na UFRGS em 1964. Um anos antes de se formar, seguiu com dezenas de estudantes de arquitetura do Brasil e de vários países da América do Sul, a bordo de um navio russo que saiu de Santos, fez escala em Recife e chegou em Havana, para o Encontro Internacional de Professores e Estudantes de Arquitetura e o VII Congresso da União Internacional de Arquitetos. A viagem é relatada no livro Havana 63, publicado em 2013 na celebração dos 50 anos da viagem a Cuba, em um texto ao mesmo tempo bem-humorado, emocionante, crítico, rico em fatos e reflexões sobre política, arquitetura e cultura. 

Cesar foi um dos fundadores do Sindicato de Arquitetos no Rio Grande do Sul, em 1974. Foi professor da UFRGS entre 1976 e 2010 e continua atuando como arquiteto. Obteve várias premiações em concursos nacionais de arquitetura e sua obra foi exposta em espaço especial na VII Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. Atuou como Conselheiro do IAB ao longo de vinte anos (2002 a 2022) e foi Conselheiro da primeira gestão do Conselho de Arquitetura e Urbanismo, quando lutou em defesa de questões importantes para a política profissional, em especial os concursos de arquitetura. César também é músico, com premiações em festivais e composições gravadas. 

Agora, em 2023, como celebração dos 60 anos dos eventos realizados em Havana e dos 15 anos do portal concursosdeprojeto.org, resolvi convidá-lo para um bate-papo, para falar de concursos, de arquitetura, de Cuba, de música, e dos desafios contemporâneos da sociedade e da profissão.

O bate-papo ocorreu à distância, pela internet. Nosso encontro poderia ocorrer em vários dias e horários, exceto nas quartas à noite, em virtude de um compromisso sagrado: uma pelada semanal com os amigos. Cesar, aos 82 anos, joga na lateral direita.

Boa leitura !

Fabiano Sobreira

editor, concursosdeprojeto.org

_____________

Eu faço música desde os sete, oito anos de idade, quando eu comecei a aprender piano. Depois, ao longo do tempo, eu parei, recomecei… A última investida minha foi um retorno à UFRGS como aluno de composição e regência. Fiz uns quatro anos, o curso era de sete anos e eu desisti. Mas eu continuei sempre participando de festivais. Então eu tenho bastante coisa gravada, mas ainda não tenho um disco meu. E assim faz algumas décadas, em que todos os anos eu digo: este ano eu vou fazer o meu disco… Mas agora, apareceu um casal que tem uma empresa de produções culturais e vieram se oferecer para produzir meu disco. Aí eu topei, na hora. Claro que vai ser naquela base, de fazer um projeto e buscar um patrocínio… Mas a gente está montando isso; já convidei bastante gente conhecida… Talvez os mais conhecidos sejam Kleiton e Kleidir, que são meus amigos, que vão gravar uma faixa…

São composições suas ? 

Sim, são todas composições minhas.

E você, sempre ao piano ?

Não, nesse disco eu estou convidando um monte de músicos, amigos meus… nossa família tem quatro músicos. O meu irmão é músico profissional, é maestro, professor de conservatório. Dois filhos dele tocam, um dos meus filhos toca também, todos vão participar. Então, eu vou participar pouco ao piano, tocar de vez em quando. Vou mais produzir o disco.  

De que maneira que a viagem a Havana, em 1963, e tudo que envolveu a viagem, antes e depois… lhe definiu como pessoa, como profissional ?

Tem muita coisa ligada a isso… Para fazer o livro eu reencontrei muita gente, de todo o Brasil, do Uruguai, da Argentina… Do Chile eu consegui um contato, mas acho que para os chilenos, o sofrimento deles com o Pinochet foi maior do que os outros, e eles praticamente se recusaram a conversar sobre isso. Então, o mais importante é o seguinte: com todas as pessoas com quem eu falei, que foram nesse congresso, no navio que a gente foi… Foi uma das coisas mais importantes na vida de todos e mudou a vida de todos também. De uma forma ou de outra. Sobre o meu caso, nós estávamos no apartamento de uma colega nossa, em um encontro que nós tivemos lá em Montevidéu, eu estava sentado no sofá e tinha uma outra colega, da minha idade talvez, a gente começou a conversar e lá pelas tantas ela perguntou o que é que aconteceu politicamente comigo, depois de 64… Aí eu falei: olha, eu fui preso, não teve violência física, era o início da ditadura… Foi uma consequência de Havana, pois foi logo em seguida, menos de um ano depois. E essa prisão originou o seguinte: eu me formei no final de 1964 e eu não podia ter emprego público nenhum, não podia trabalhar para órgão público, e uma coisa que eu pensava fazer, que era lecionar, eu tive que esperar doze anos. Eu me formei em 1964, mas só consegui entrar na UFRGS em 1976, porque quando abria algum concurso, eu ia me inscrever, e invariavelmente o diretor da Faculdade me chamava e dizia: “olha, é melhor tu não te inscrever, porque a Reitoria vai te pedir um atestado de bons antecedentes e nós sabemos que tu não tens, dado pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)”. E aí eu fiquei até 1976, quando não sei como apareceu uma inscrição para professor, eu solicitei informação para a Reitoria e eles falaram que eu podia me inscrever. E só aí que eu entrei. Então, isso foi uma consequência não só da minha ida a Havana. Eu já participava do Diretório Acadêmico, de movimentos políticos, mas essa ida solidificou. Não foi uma modificação, foi uma solidificação de pensamento. Mas tem um outro lado, um lado secundário. Nós fomos, vinte e três estudantes e o Fayet, que era professor, pra São Paulo. O navio ia sair de Santos, e demorou uma semana aproximadamente, para liberarem o navio para sair. E nós ficamos em São Paulo. Eles nos alojaram na Cidade Universitária, que estava recém-inaugurada, com prédios modernos… Para mim aquilo tudo era um alumbramento. E nós fomos de Porto Alegre para São Paulo em um ônibus da faculdade, um ônibus de cidade, daqueles de banco reto, e esse ônibus ficou na cidade até a gente embarcar. E o Fayet organizou várias idas a obras. Uma delas com o Vilanova Artigas, mostrando os projetos dele. Claro, não tinha a FAU ainda, mas tinha as casas. E teve também visitas a obras de outros arquitetos. Então, isso foi uma virada pra mim. Porque eu estava no penúltimo ano da FAU, eu estava no quarto ano, e nessa época eu estava tocando. Eu tocava na noite e eu assistia muito pouco às aulas da manhã. Então, eu estava empurrando o curso de Arquitetura com a barriga. Os professores de projeto já me conheciam, me chamavam de cantor, e falavam, “tu tens jeito pra coisa, a gente já viu, mas tu estás fazendo música, então tu vais ter que optar por uma coisa ou outra”. Mas eu estava em dúvida. Só que nessa viagem, principalmente em São Paulo, vendo coisas que eu não tinha visto da Arquitetura Modernista, me deu aquele estalo, caiu a ficha. E quando eu voltei para Porto Alegre mudou diretamente. Meus projetos de estudante foram completamente diferentes depois. Antes eram rabiscos que eu entregava e eles me passavam. Então, isso foi um efeito secundário da viagem, na realidade. Mas foi muito importante. Me definiu ali: o que eu realmente queria fazer era Arquitetura. E teve Havana, também. Havana tinha muita coisa de Arquitetura pra ver, de Arquitetura Modernista, o pavilhão que eles fizeram para o Congresso da UIA, utilizando os pré-moldados em concreto… Eu não tinha ainda muita leitura sobre isso, eu estava naquela coisa de fazer Arquitetura, mas não sabia se fazia ou não… Então, foi importante. Então houve esses dois aspectos. Esse foi um e o outro foi em relação à questão ideológica, ver aquilo tudo que estava acontecendo, que era importante. E essa consequência ruim que foi ficar doze anos… Ruim e não… Pois eu sempre digo assim… Eu não pude ter emprego público e isso me obrigou à única saída, que era montar um escritório. Então, quando eu entrei na Faculdade, como professor, doze anos depois, eu já tinha obra publicada e isso foi importante, eu tinha prática profissional. Eu não tinha didática, pois não tinha pós-graduação, mas eu tinha uma experiência profissional importante. Então, por vias tortas, essa prisão acabou sendo importante profissionalmente. A vida é assim, não é ?

E nesses doze anos de atuação profissional, antes de se tornar professor, você participou de concursos ?

Não. A gente juntou cinco ou seis amigos que eram colegas de turma e nós participamos de um concurso, que era o novo mercado público de Porto Alegre. Foi ganho pela equipe de paulistas que depois foi pra Curitiba, pra trabalhar na Faculdade lá, e que ganharam vários concursos. Esse foi o único que eu fiz nesse período. Anos depois eu encontrei esse projeto e joguei fora. E eu pensava, na época, será que a gente não merecia um terceiro prêmio ? Não merecia nada. Era uma porcaria o projeto… (risos)

Então essa história com os concursos é estranha. Em 1996 eu propus ao Departamento de Arquitetura que reunisse um grupo de professores para fazer um estudo para o nosso prédio, da Faculdade, que estava muito decadente e faltava espaço, e eu sabia que o projeto original tinha sido feito para mais pavimentos. Chegamos à conclusão que a gente precisava da ajuda de alguns estudantes para nos ajudar, desenhando. E então a gente montou um grupinho. E eu fiquei muito amigo desses estudantes, que estavam mais no final do curso. Um dia eles me chamaram, no final da aula. É que tinha sido lançado um concurso de arquitetura para transformar uma travessa, aqui de Porto Alegre, em uma rua 24 horas… cobrir a travessa… Eles queriam fazer esse concurso e perguntaram se eu assinaria. (risos) Aí eu falei: isso eu não faço, mas se vocês quiserem, eu faço junto com vocês. Então eles foram pro meu escritório, eles ficavam desenhando lá, mas no meio do caminho nós desistimos. Aí, no final de 1997 eles estavam se formando e os três me convidaram para orientar o trabalho de diplomação deles. 

Nessa época eu tinha parado um tempo, pois tinha se formado em Porto Alegre uma cooperativa de músicos, e como em 1968 eu tinha feito uma coisa parecida, esses músicos me chamaram pra contar como tinha sido. No final desse papo, fomos tomar um chope e me perguntaram: por que você não entra pra essa cooperativa ? Eu argumentei que era professor, arquiteto… E eles falaram: “mas entra devagar…” No fim, eu entrei pra essa cooperativa e durante alguns anos eu praticamente fechei o meu escritório.

Então eu perguntei para esses estudantes de arquitetura, que estavam se formando, se eles não queriam trabalhar comigo. E eles perguntaram: mas como é que vai ser isso, você vai nos pagar ? Aí eu falei: não, vocês entram comigo, como sócios no escritório. Então nós fizemos uma sociedade, nós quatro, e começamos a sair atrás de trabalho. E logo em seguida apareceu um concurso, que era o anexo do Teatro São Pedro. E nesse primeiro concurso, a gente ficou em terceiro lugar. No segundo, que foi em Caxias do Sul, que era um Teatro de Ópera, a gente ganhou o concurso. E aí embalou, a gente passou doze anos fazendo concursos, de 1996 a 2008. E nós tivemos, nesse tempo, 15 premiações. Dessas, foram cinco primeiros lugares, dois segundo lugares, alguns terceiros e menções… Estamos organizando um livro do escritório. Ano que vem (2024) vai fazer sessenta anos que eu me formei. Então a gente montou um livro com as obras construídas e os concursos. O livro está pronto.     

Eu ainda estou fazendo algumas coisas de projeto e obra. E uma das coisas que eu estou fazendo é o seguinte: existe uma coisa em Porto Alegre que se chama Clube de Cultura, que foi fundado em 1950 e meu pai, que era um cara de teatro, foi um dos fundadores. Então eu participei desde a fundação. E hoje o auditório desse clube está caindo, eram tesouras de madeira, os cupins tomaram, então eu fiz um projeto e a gente tem uma possibilidade de conseguir patrocínio para a obra.

A Música, então, realmente concorreu com a Arquitetura, em sua vida.

Sim, em mais de um momento. O primeiro, quando eu estava estudando, que eu tocava em bailes. E depois, em 1968, com quatro anos de formado, e com dificuldades de conseguir trabalho, eu comecei a entrar em festivais. E aí ganhei alguns prêmios. Essas músicas foram gravadas, eu comecei a ficar conhecido em música e houve propostas, inclusive da gravadora Continental para eu ir para o Rio. Só que eu tinha família, aí não dava. Mas aí, foi sempre um paralelo, eu nunca abandonei, eu continuo fazendo.

Em seu livro, Havana 63, além de falar da Arquitetura e da experiência como um todo, você fala sobre o quanto a música cubana lhe impressionou.

Sim. Eu sou da era do rádio. Quando a televisão chegou em Porto Alegre eu já estava na faculdade, com 18, 19 anos. E o rádio, no Brasil, além de tocar muita música brasileira, tocava de tudo e eu escutava muita música cubana. Só que era música cubana feita nos Estados Unidos, e o que eu ouvi lá em Cuba era outra coisa. Era muito mais a origem negra, com dez caras tocando percussão e tudo aquilo se encaixava… Depois eu estive lá em 1989, como turista, reencontrei alguns amigos arquitetos, e vi outras coisas de música cubana, e da última vez, quando lancei o livro lá, em 2013, vi que tem uma música nova, cubana. A mesma música, das mesmas raízes, só que modernizada. E é impressionante. Existe uma coisa em Havana que se chama “Casa de la Música”, que são várias casas, em diferentes pontos da cidade, que são como casas noturnas, e ali começa cedo, tardezinha, e lá pelas dez da noite termina. E essas casas têm um isolamento acústico importante, pois da rua não dá pra ouvir nada. Então, quando abria a porta e entrava, era um choque. Quatro a cinco cantores, percussão, não sei quantos sopros, e todo mundo dançando. E o que impressiona, além da música cubana, é a dança cubana. Tudo se encaixa. Eu e minha mulher ficamos ali, olhando, de boca aberta. Então é uma nova fase da música cubana, que continua maravilhosa.  

Como foi o lançamento do livro em Havana, em 2013 ?

Foi uma coisa espetacular. Fomos eu e minha mulher. Eu fui com dois pacotões do livro. Dois dias antes da gente viajar a gráfica me entregou os livros. E aí, no evento de lançamento em Havana, quando chegou a minha fala, o público que estava lá não sabia que eu tinha levado os livros. E aí eu comecei a falar, que em 1963 eu estava lá, como estudante, e eu falei: aqui eu trago um presente pra vocês, um livro que eu escrevi em não sei quantos anos… aí levantaram, bateram palmas. Queriam muito mais livros, mas foi o que deu pra levar… Então eles distribuíram lá, colocaram em bibliotecas… E aí depois vieram os lançamentos em não sei quantas capitais, no Brasil. Começando por Porto Alegre, depois Curitiba, São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza… depois fui convidado para lançar em Montevidéu, pela Faculdade de Arquitetura, e em Buenos Aires foi na Sociedade de Arquitetos. Por sinal, em Buenos Aires, aconteceu uma coisa muito bacana. Tinha duas ou três arquitetas, que foram na viagem de 1963 e que estavam lá. Quando terminou o evento e eu comecei a autografar, me trouxeram uma senhora, de cabelos brancos… não sei que idade tinha. Era mais velha do que eu. Eu perguntei o nome, ela falou, eu fiquei olhando, e uma das amigas me falou: Sim, é a irmã de Che Guevara (Celia Guevara, arquiteta – 1929-2023) Ela era arquiteta. Aí eu comentei, que encontrei Che Guevara no encontro, que assisti o discurso dele no encerramento, e perguntei por que ela não foi para o evento, em 1963. E ela respondeu: porque não tinha recursos financeiros. Mas aí eu disse: mas Che era o Ministro da Indústria e do Comércio… E ela falou que ele tinha um cuidado muito grande com isso tudo, os recursos eram bem limitados. Então não tinha como ir paro o evento.

Agora falando sobre sua atuação no CAU, entre 2012 e 2014, e suas atividades em defesa dos concursos públicos de projeto. A gente se encontrou algumas vezes aqui em Brasília para conversar sobre uma proposta de regulamentação dos concursos. A ideia era que se tornassem obrigatórios na administração pública brasileira, como ocorre nos países europeus. Já se passaram mais de 10 anos e eu não consigo observar no CAU uma política clara em defesa dos concursos públicos de arquitetura. Talvez essa ação esteja acontecendo e eu não esteja vendo. Enfim, como você vê tudo isso ?

Não está acontecendo. Eu praticamente desisti. De 2002 a 2022 eu fui conselheiro, do Conselho Superior do IAB, ao longo de 20 anos. Quando eu fui pro CAU, havia três conselheiros, que eram os mais velhos: Miguel Pereira, representante de São Paulo; Paulo Ormindo, de Salvador e eu. A gente se conhecia, nas reuniões gerais a gente sentava junto. Quando começou toda a história do CAU, existiam algumas comissões, já determinadas, como parte do regulamento do conselho. Coincidentemente, nós propusemos a criação de três comissões, que não eram permanentes, mas acho que continuam existindo: O Miguel Pereira, que durante muito tempo atuou nas questões de relações internacionais do IAB, sugeriu uma comissão de relações internacionais no CAU. O Paulo Ormindo sugeriu uma comissão para assuntos urbanísticos. E eu propus uma comissão de política profissional, porque eu queria juntar toda a experiência que eu tinha do IAB, de lutas que a gente não conseguia levar adiante, principalmente por falta de infraestrutura, e por ser amador… Sempre sonhando que um dia o IAB pudesse ter uma infraestrutura profissionalizada e pudesse ser executiva. Aí eu pensei: o CAU vai ter dinheiro e vai ter infraestrutura. E foi o que aconteceu. Então fomos indicados para sermos os coordenadores de cada uma dessas comissões. E fiquei durante três anos como coordenador dessa comissão de política profissional. Eu peguei a pauta das coisas que eu considerava as mais importantes do IAB, conversei com os que tinham se oferecido para participar dessa comissão, apresentei essa pauta e montamos uma plataforma para ser levada adiante. Entre essas coisas, evidentemente, concursos. E foi aí que eu entrei em contato contigo. Nós chegamos na boca do túnel. Estávamos com o projeto pronto, marcamos uma reunião com um Senador que inclusive está atualmente ao lado do Lula , ele nos ouviu, pois ele tinha conhecimento da profissão, achou muito bom o projeto de regulamentação dos concursos, e nos disse: vocês encaminhem para a Casa Civil e me mandem a cópia do protocolo que eu vou me encarregar disso. Mas o que aconteceu é que uma boa parcela dos conselheiros, que nunca tinham ouvido falar de concurso, ou que não gostavam, eles criaram uma discussão tão grande que eu percebi, lá pelas tantas, que se entrasse em votação, não seria aceito o projeto de obrigatoriedade dos concursos nos órgãos públicos. E aí eu tirei de pauta. Depois, nós continuamos fazendo essas reuniões, para trabalhar na minuta de um Decreto, mas isso já foi no final da gestão e eu saí fora ao final da gestão. E ninguém deu continuidade depois, nessa proposta. Depois continuei por algum tempo em uma comissão do IAB, mas também nada aconteceu. Em resumo, nem o CAU nem o IAB estão fazendo nada em relação a esse projeto de obrigatoriedade. Existem aquelas iniciativas pontuais, como essas recentes, do IAB e do CAU aqui do Rio Grande do Sul. Mas sem continuidade, pois não é uma política pública de concursos. E o pior é que a cada vez, começam tudo do zero, como se não houvesse memória. Então, essa questão do projeto de lei, que a gente queria fazer, para regulamentar os concursos e tornar obrigatório para a administração pública, está mais do que na hora. Está começando o governo de Lula, e este seria o momento ideal para retomar o assunto. Pelo menos para colocar em discussão o Projeto de Lei. 

A quê que você atribui, César, essa postura da profissão em relação aos concursos ? Diferente do que acontece com toda a União Europeia, por exemplo, em que os concursos são obrigatórios.

A conclusão é uma tristeza. Eu dei aula durante bastante tempo junto com Sérgio Marques, que você conhece. A gente sempre tomava um café juntos, na faculdade, e batia um papo. E várias vezes a gente conversou sobre o assunto concursos e outros temas relacionados à arquitetura no Brasil. E a conclusão à que a gente chegou, uma vez depois de discutir muito, foi simples: ou sobe o padrão cultural brasileiro, e nós subimos juntos, ou não tem saída. O que está acontecendo nas cidades brasileiras, e em Porto Alegre particularmente, é uma nova destruição de outro período da Arquitetura, com as construtoras dominando tudo. Antes a gente tinha um Conselho do Plano Diretor, e tinha representantes arquitetos… Mas hoje esses conselhos são dominados, pelos corretores, vendedores, imobiliárias. Então, aqui em Porto Alegre, e eu acho que isso é no Brasil inteiro, eles dominaram tudo. Em lugares onde só podia construir quatro pavimentos agora estão construindo quarenta. 

Mas você não acha que isso também está acontecendo dentro do próprio CAU ? No IAB, havia quase sempre uma posição intelectual, cultural e política muito forte e assertiva contra esse tipo de especulação. No entanto, no CAU, eu percebo que há uma presença, cada vez maior, de profissionais que representam os interesses do mercado…

Na primeira gestão do CAU já deu pra ver esse germe ali… É triste. Quando saiu o primeiro censo, eu, conversando com Miguel Pereira, falei: Miguel, nós estamos fodidos. Espalharam escolinhas de arquitetura por todo o Brasil, que formam arquitetos com uma visão bem limitada, e muito mais do que isso, uma visão de sobrevivência, só. E que já não têm essa cultura das pessoas que antes estavam no IAB e que tinham ascendência política. A geração anterior à minha, o Miguel Pereira, o Carlos Maximiliano Fayet, o Conde lá no Rio, eram caras que eram respeitados, que tinham voz ativa. Aqui em Porto Alegre muita coisa saiu por que esses arquitetos chegavam na Prefeitura e diziam, o prefeito tem que fazer isso, e não aquilo. Hoje não existe mais isso. Então, desde a primeira gestão, eu já via esse problema. Eu vou te dar um exemplo, que também não deu certo. Em 2013 eu apresentei uma proposta, de que 2014 fosse o Ano da Valorização Profissional, com várias políticas que o CAU iria implementar, entre elas o concurso, que serviria também para alavancar a profissão para outro nível. Participei de uma reunião do CAU, do Conselho de Presidentes, em Belo Horizonte. Depois que eu li a pauta de propostas para os representantes do CAU que estavam presentes na reunião, o que eu ouvi era algo inacreditável. Dois presidentes estaduais do CAU, que já tinham sido presidentes do IAB dos seus estados, pediram a palavra e se colocaram totalmente contra os concursos. Outro conselheiro falou: essa questão de salário mínimo profissional, é o mercado que regula. Eu respondi: não, não é assim. Existe uma Lei. E ele falou que isso iria quebrar os escritórios de arquitetura, que não têm condições de pagar. E eu respondi: se tu não podes pagar arquiteto, tu não podes contratar arquiteto. Em resumo: toda a pauta foi bombardeada. Terminei meu mandato, isso ficou arquivado lá, e os concursos também. E essa tendência, que eu vi na primeira gestão, tende a se multiplicar, pois os profissionais de arquitetura hoje estão com a visão de sobrevivência, só. E esses caras estão montando chapas e entrando para o CAU. E o pior é que eu acho que não tem mais solução.

E a situação atual do IAB é a crônica de uma morte anunciada. O percentual de profissionais vinculados ao IAB sempre foi muito pequeno e hoje em dia, após o CAU, é insignificante. No caso do Rio Grande do Sul, que é um dos IABs que tem mais sócios, são cerca de 800, enquanto existem cerca de 15.000 profissionais no Estado. No RJ e em SP chega a ser ridículo o número de sócios, quando comparamos ao número de profissionais habilitados em cada Estado. Então, essa representatividade está sendo perdida. A maioria da classe não sabe, ou não quer saber. Antes, foi por meio do IAB que se formaram as escolas de Arquitetura. Uma série de vitórias da profissão foram por meio do IAB, que já não tem esse papel hoje. Nosso sonho era que o CAU pudesse assumir esse papel, pois seria uma instituição com dinheiro, com recursos. Mas aí aconteceu essa coisa toda, que foi muito triste. Alguns presidentes de IABs na época da criação do CAU me falaram que eu seria um dos culpados se o CAU passasse a fazer coisas que cabiam ao IAB. Mas eu sempre falei: se o CAU fizer as coisas que o IAB sempre quis fazer e não conseguiu… eu não tenho camiseta. Eu fui fundador do Sindicato dos Arquitetos, em 1974, eu pertenci sempre ao IAB, e agora também estou no CAU. Pra mim tanto faz. Se as coisas que o CAU fizer forem importantes para a classe, não me interessa. 

Mas o problema é que no CAU essas coisas também não estão acontecendo, então ficam no limbo. Nem o IAB, nem o CAU, como é o caso da política nacional dos concursos…

Sim, pois perdemos a oportunidade de levar à frente essas questões desde o início do CAU. No início ainda tentamos, os mais velhos, alguma coisa, mas depois tudo isso foi pro saco. As novas gestões do CAU são burocráticas, com poucas exceções.

No discurso de Che Guevara, no encerramento do encontro de professores e estudantes de Arquitetura e Urbanismo em 1963, em Havana, ele faz aquela emblemática analogia entre a técnica e a arma. A técnica que, como uma arma, é um instrumento neutro. Que pode oprimir ou libertar, a depender de que mãos detêm esse instrumento. Fazendo um paralelo, será que esse importante instrumento, que é o CAU, se estiver em mãos erradas, ao invés de promover o crescimento e emancipação, não poderia se tornar um instrumento de destruição da própria profissão ?

Pode sim. E no momento em que a gente está, da economia em relação a nossa profissão, isso é bem possível. Pois se tu não consegues minimamente controlar o planejamento das cidades, por intermédio dos planos diretores, sobra o quê ? 

César, que paralelos é possível traçar entre 1963, ano que antecedeu o golpe de 1964, e 2023, ano que abriu com uma tentativa de golpe contra a democracia ? 

Olha, ché… nós passamos por um período trágico agora… Felizmente, a gente conseguiu sair dele, mas eu também não sei por quanto tempo. Nada nos garante que não vai haver uma volta. E o pior é que isso é um movimento internacional. Veja… eu fiz o projeto e estou acompanhando a obra de uma coisa que se chama Centro de Estudos Psicanalíticos. É um grupo de aproximadamente trezentos psicanalistas. Eles têm um curso para formar analistas e também fazem atendimento para pessoas que não têm condições financeiras. Então, eu tenho conversado muito com eles, fora das nossas reuniões de trabalho. E eles têm várias explicações, vendo a História à luz da Psicanálise. E o que eles dizem é muito triste, que é um ciclo que tem razões muito profundas em outros ciclos e entra muito a história do desespero humano, que pode gerar a necessidade de líderes carismáticos, podemos falar do Hitler e do Mussolini… E isso é um problema global. A Itália tem uma primeira ministra de Direita, a Alemanha mais ou menos, a França mais ou menos… então, eu não sei o que vai acontecer. Agora nós estamos com uma guerra lá na Ucrânia e está começando outra no Oriente Médio. Eu tenho um amigo, que era professor na USP, de Literatura, e que está morando em Berlim. Ele se aposentou e teve um convite lá, pra trabalhar com Literatura Brasileira, e a gente se escreve… E nesses dias ele me mandou uma mensagem dizendo que provavelmente, em breve, eu vou encontrar ele aqui no meu bairro. Eu pensei que ele estivesse brincando. Mas ele disse que não, que ele e a mulher dele estão muito assustados, e ele escreve sobre política também, ele era correspondente das Carta Maior, da Carta Capital… E ele acha que certamente vai haver outra guerra na Europa, que não vai se limitar à Ucrânia. Então, o que é que a gente pode pensar, Fabiano ? Para onde é que nós estamos indo ? E fora isso, o desastre climático. Olha o que está acontecendo: neste momento, gente morrendo aqui em inundações e lá no Amazonas, os ribeirinhos morrendo de sede e de fome, porque não tem mais rio. E isso não é uma coisa pontual. Dizem as pessoas ligadas à Ecologia que isso vai começar a ser constante. E nós, como arquitetos, estamos inseridos nisso. A profissão está intimamente ligada ao que está acontecendo, com a nossa civilização. E os nossos problemas, no Brasil, não são diferentes dos problemas dos arquitetos no resto do mundo. Alguns amigos dizem que isso é cíclico e que a civilização vai se dar conta em algum momento… Mas não é bem assim. A gente sabe que quem domina o mundo são as grandes corporações, que são autofágicas. Lucro, lucro e lucro… Então, não existe um poder internacional, que seria a ONU, que foi criada depois da Segunda Guerra pra isso… Quem é que vai controlar tudo isso ? E tem os mais apocalípticos, que são as pessoas da Ecologia, falando da teoria de Gaia, de que a Terra é um ser vivo. Todo o nosso corpo, de seres vivos, se comporta de maneira a expulsar alguma coisa, do nosso organismo, que queira nos destruir. E o conceito deles é que a Terra vai tratar o ser humano como uma bactéria, que está destruindo o organismo. Então, isso também tem a ver com a nossa profissão. E eu estou muito pessimista em relação a isso. 

Bom, Cesar. Ocupei você por quase duas horas. Muito obrigado pela sua disponibilidade. A conversa foi muito boa. É muito importante que a História seja registrada e que as críticas sejam feitas. Eu vejo o teu relato sobre Havana 63 como algo muito maior do que o registro de uma viagem. É uma reflexão muito mais ampla. Então, uma maneira de reagir a tudo isso é contando a História. A sociedade precisa aprender a ouvir… Ouvir quem tem algo a dizer. As novas gerações estão ignorando a História … enfim, claro que seria muito melhor se esta nossa conversa tivesse sido em um bar, eu aí em Porto Alegre ou você aqui em Brasília…

Sim, seria bem melhor ! (risos) Sim, foi um prazer ter conversado contigo, vamos ver se a gente se reencontra logo. 

Sim, e se der tudo certo eu vou numa quarta-feira, porque eu quero participar como penetra desse seu futebol. Pelo menos como espectador… (risos)

Tu me substitui meio tempo ! (risos)

Se eu aguentar ! (risos)


 Participação em Concursos de Arquitetura

Anexo do Theatro São Pedro – Porto Alegre

1997 – Concurso Público – Terceiro Lugar – Porto Alegre – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Colaboradores: Pedro Inda, Eduardo Veiga, Sebastian Sevilla, Adriana Callegaro


Teatro da OSPA – Fundação Orquestra Sinfônica de Porto Alegre

1997 – Concurso Público – Porto Alegre – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Agência Santo Ângelo da CEF

1998 – Concurso Público – 1º lugar – Santo Ângelo – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Co-autoria: Sérgio Volkmer    


Agência Viamão da CEF

1998 – Concurso Público – 1º lugar – Viamão – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Co-autoria: Sérgio Volkmer


Sede da FIC – Fundação Integrada de Cultura

1998 – Concurso Público – 1º lugar – Caxias do Sul – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Colaboradores: Hilton Fagundes, Ana Paula Brugalli


Edifício Patrimonial para o CONFEA

1999 – Concurso Público – 4º lugar – Brasília – DF

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Colaboradores: Hilton Fagundes, Carlos Krebs, Rômulo Giralt, Ana Paula Brugalli


Anexo do Solar Conde de Porto Alegre – Sede do IAB-RS

2000 – Concurso Público – 3º lugar – Porto Alegre – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Colaboradores: Caroline Ribeiro, Lasse Manshaus


Museu do Telephone – Telemar

2000 – Concurso Público – 3º lugar – Rio de Janeiro – RJ

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Colaboradores: Ana Paula Brugalli, Hilton Fagundes


Parque do Gaúcho

2001 – Concurso Público – 2º lugar – Bagé – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Colaboradores: Cecília Mueller, Cristiano Viegas, Ecólogo Dilton de Castro


Nova Sede do CREA Ceará

2001 – Concurso Público – Fortaleza – CE

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Colaboradores: Hilton Fagundes


Nova Sede do Grupo Corpo / USIMINAS

2001 – Concurso Público – Belo Horizonte – MG

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Teatro Laboratório de Artes Cênicas e Corporais da UNICAMP

2002 – Concurso Público – Campinas – SP

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Sede da FAPERGS

2003 – Concurso Público – Menção Honrosa – Porto Alegre – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Reabilitação do Antigo Mercado Público de Itaqui

2003 – Concurso Público – 2º lugar – Itaqui – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Colaboradores: Cristina Rozisky


Den Norske Opera

2003 – Concurso Internacional – Oslo – Noruega

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Colaboradores: Hilton Fagundes, Ana Paula Brugalli, Geison Borges, Beatriz, Carla


Sede do PMDB-RS

2003 – Concurso Público – 1º lugar – Porto Alegre – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Colaboradores: Cláudia Titton


Centro de Desporto e Lazer da UNISINOS

2004 – Concurso Público – 1º lugar – São Leopoldo – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri 

Colaboradores: Carlos Nicolini, Clarice Bleil de Souza, Cristiano Viegas Centeno, Cristian Illanez, Hilton Fagundes, Bernardo Generosi, Marina Basso, Eng. Clovis Araújo, Eng. José Júlio A. Tavares


Sede da Procuradoria Geral da República da 4ª Região

2004 – Concurso Público – Porto Alegre – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Sede da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais

2005 – Concurso Público – Belo Horizonte – MG

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Teatro de Natal

2005 – Concurso Público – Natal – RN

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Shopping UNISINOS

2005 – Concurso público – São Leopoldo – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Sede Administrativa da CARRIS

2005 – Concurso Público – Porto Alegre – RS

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Sede da Petrobrás no Espírito Santo

2005 – Concurso Público – Vitória – ES

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Centro Judiciário do Paraná

2006 – Concurso Público – Curitiba – PR

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Sede do IPHAN em Brasília

2006 – Concurso Público – Menção Honrosa – Brasília – DF

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Teatro Municipal de Londrina

2007 – Concurso Público – Menção Honrosa – Londrina – PR

Dorfman, Fraga, Prudencio e Barbieri


Museu Marítimo do Brasil

2021 – Concurso Público – Rio de Janeiro – RJ

Dorfman, Fraga, Prudencio, Barbieri e Hilton Fagundes