por Izabel Amaral (*)

Interior do Crystal Palace. A partir de Dickinson’s (1854)

Desde que as exposições universais e internacionais foram criadas no meio do século XIX, para cada país participante, escolher a melhor forma de se mostrar ao mundo passou a ser uma questão delicada, implicando em escolhas que teriam um impacto cultural, social e político. Na primeira dessas exposições, em Londres em 1851, todo o conteúdo da exposição encontrava-se no interior do famoso Crystal Palace, construído especialmente para a ocasião. Assim, a questão resumia-se à escolha do que exibir em cada um dos stands do palácio de cristal, uma situação que foi semelhante à exposição de Paris em 1889.

Em regra geral, os organizadores tinham de selecionar entre artes plásticas, arte primitiva, artesanato, produtos industriais, máquinas e invenções científicas, ou seja, objetos significativos a fim de mostrar aos outros a cultura e o desenvolvimento do país. Mas quando os planos urbanísticos das exposições passaram a oferecer aos países participantes a possibilidade de construírem seus pavilhões nacionais, uma estratégia já consolidada na exposição de Barcelona em 1929, a questão então passou a ser como coordenar exposição e arquitetura.

Pavilhão alemão, Expo Barcelona 1929. O objeto exibido é a própria arquitetura.

Vale a pena ressaltar que no caso do célebre pavilhão alemão, de Mies van der Rohe, em Barcelona, a única coisa que o país exibia era um objeto arquitetônico de altíssima qualidade, de excelentes materiais, pois não havia exposição no seu interior. Uma estratégia ousada e que deixou um verdadeiro legado arquitetônico, comparável ao que Gustave Eiffel nos ofereceu com a sua torre na ocasião da exposição de Paris. No entanto, o  pavilhão alemão, como previsto, foi demolido ao fim da exposição, mas a importância que teve na história da arquitetura valeu a sua reconstrução de modo idêntico nos anos 1980.

Desenho de Iannis Xenakis para o pavilhão Philips na Expo 1958, baseado na transcrição geométrica de uma peça musical do próprio Xenakis. Projeto em colaboração com Le Corbusier.

Vídeo sobre projeto de Realidade Virtual (VR) que propõe reproduzir o “poema eletrônico” do pavilhão Phillips na Expo 58 em Bruxelas, conforme projeto original de Le Corbusier e Iannis Xenakis

A partir da exposição de Bruxelas em 1958, o foco das exposições deixa de ser a questão cultural ou industrial, e os pavilhões tentam oferecer aos visitantes novas experiências sensoriais, é o caso do pavilhão Philips, o Poème électronique de Le Corbusier e Iannis Xenakis. É o início da era das exposições multimídia e interativas, incluindo projeções, sons e todo um arsenal de parafernália mirabolante. Na corrida para ver quem mostra mais e melhor, os Estados Unidos e União Soviética exibiram em Montreal 1967 objetos como naves e satélites das explorações espaciais. Na exposição de Osaka em 1970, os Estados Unidos, numa abordagem mais minimalista, tiveram como objeto mais importante da mostra nada mais nada menos que uma pedra lunar. Enquanto isso, o pavilhão Finlandês convidava a uma experiência interativa tão avançada que não foi compreendida na época.

Voltando a nossa questão principal, que se refere ao quê exibir nas exposições, e como melhor representar a arquitetura do país, observamos que muito freqüentemente os países participantes organizam concursos de arquitetura para escolherem os projetos de seus pavilhões. Apenas para citar alguns exemplos: Brasil e Canadá na ocasião da exposição de Nova Iorque 1939; a província de Québec para a exposição de Montreal 1967; Estados Unidos, Finlândia, Brasil e Canadá para a exposição de Osaka 1970; Brasil e França para a exposição de Sevilha 1992. Para a exposição universal de Xangai 2010, já foram realizados concursos nacionais para os pavilhões do México, Finlândia, e Dinamarca, entre outros. A França, a Itália e a Suíça realizaram concursos internacionais. Este último país organizou seu concurso com uma antecedência ímpar, digamos suíça, ainda em 2006.

Pavilhão italiano, Expo Xangai 2010

Pavilhão finlandês, Expo Xangai 2010

Mas se os concursos são freqüentes, com certeza não são regra geral, causando um grande descontentamento entre os profissionais que desejam uma concorrência mais democrática para a concepção de um edifício que é no mínimo raro, e que argumentam que a ocasião deve estar ao alcance de todos. No Chile, onde não se fez concurso para selecionar o pavilhão de Xangai 2010, há hoje um debate de classe reclamando. No Canadá, onde o projeto foi realizado pelo Cirque du Soleil, o debate levantou a questão da desvalorização do profissional arquiteto, que perdeu a autoria de sua obra (o escritório de arquitetura contratado assinou uma cláusula de anonimato!); a criação arquitetônica tornando-se assim expertise de uma empresa de espetáculos cada dia mais poderosa e onipresente. Nos Estados Unidos, a situação é ainda mais séria, pois talvez nem sequer o país participe da exposição. Isso porque o governo americano desautorizou desde 1991 o uso de dinheiro público nas exposições internacionais, querendo que isto fosse feito pela iniciativa privada. Hoje, chorando pelo leite derramado, existe um grupo que tenta viabilizar o pavilhão americano, e que conta com Frank Gehry como consultor. Não dá nem para se falar sobre a realização de um concurso.

pavilhão para Sevilha 1992, projeto de Ângelo Bucci, Álvaro Puntoni e José Oswaldo Vilela

No Brasil, vamos lembrar a polêmica em torno do concurso do pavilhão para Sevilha 1992, um episódio marcante que já conta com quase vinte anos. Após o concurso nacional aberto realizado em 1990 houve um grande debate sobre o projeto vencedor, dos arquitetos Ângelo Bucci, Álvaro Puntoni e José Oswaldo Vilela. O edifício proposto foi criticado, entre outras coisas, pela sua estética inspirada no brutalismo paulista[i], chegando mesmo a lembrar o pavilhão de Osaka, e o Museu da Escultura de Paulo Mendes da Rocha. E o debate não se resumiu a revistas ou bastidores, houve até uma sessão pública de discussão. Por fim, após um certo desgaste, e pelas dificuldades impostas pelo projeto em viabilizar uma construção rápida que não deveria ultrapassar oito meses, o Ministério das Relações Exteriores terminou decidindo pela não construção do pavilhão, e o país participou da exposição num pavilhão coletivo (solução mais fácil, basta escolher o que vai ser exibido no stand). No entanto, o concurso de Sevilha serviu para amadurecer o debate sobre a nossa herança modernista, que hoje se afirma com muito mais segurança, como uma escolha consciente, principalmente na escola de São Paulo. E o projeto do pavilhão não construído terminou sendo um herói do confronto com a crítica pós-moderna.[ii]

O episódio de Sevilha foi uma pena, pois no século passado, o Brasil só teve pavilhão próprio em três exposições, a de Nova Iorque 1939, a de Bruxelas 1958, e a de Osaka 1970; apenas a de Bruxelas não tendo sido fruto de concurso. Perdemos a chance na de Sevilha 1992. Parece que perdemos a chance na de Xangai também, pois um pavilhão de exposição de qualidade pode se tornar um objeto precioso. A ponto de ser necessária a realização de um concurso para escolher a melhor forma de intervenção no edifício, passadas algumas décadas da sua construção. É o caso do domo geodésico projetado por Buckminster Fuller para o pavilhão americano em Montreal 1967, onde uma proposta coerente de intervenção só foi levada adiante depois de um concurso de arquitetura.

Projeto de intervenção no pavilhão americano para a Expo 1967, de Buckminster Fuller, atual Biosphère da cidade de Montreal. Projeto da equipe Blouin, Faucher, Aubertin, Brodeur, Gautier, Plante, Inc. (1991). Fonte: CCC.

Então, sabendo que um pavilhão nacional veicula uma mensagem sobre o país, tendo assim uma grande importância para a imagem do país no exterior, bem como para a sua auto-imagem, e para a sua história da arquitetura, é do interesse de todos que esse objeto arquitetônico seja fruto de uma reflexão aprofundada. No caso brasileiro, uma reflexão que deve colocar a nossa arquitetura em igual patamar a outras internacionalmente reconhecidas. Afinal também não somos detentores de dois prêmios Pritzker? Enfim, uma reflexão que deve mostrar como o brasileiro é capaz de se distanciar dos famosos clichês carnaval-praia-futebol, e ter uma visão crítica das suas diversidades regionais, sociais e culturais; mostrando que sabe o quer se exibir, e que reconhece os valores da sua arquitetura. E como levar uma tal reflexão adiante não é tarefa fácil, principalmente se feito de maneira isolada,  os concursos de arquitetura podem sem sombra de dúvidas contribuir à discussão. É bom estarmos de olhos abertos para não perdermos as próximas ocasiões: a exposição internacional em Yeosu na Coréia do Sul em 2012 e a exposição universal de Milão em 2015. Sabendo que concursos sérios têm que ser organizados com o máximo de antecedência, e têm que ser abertos a todos os interessados. Só assim é possível ter um bom leque de opções, antes de decidir sobre o ponto essencial às exposições universais, que é saber coordenar exposição e arquitetura com a imagem do país.


[i] Ver: Ruth Verde-Zein, A arquitetura da escola paulista brutalista: 1953-1973, 2005.

[ii] Para mais detalhes sobre a polêmica de Sevilha, ver revistas A.U. n.35, Projeto nos. 138, 139, 140. E sobretudo ver Maria Alice Junqueira Bastos, Pós-Brasília: rumos da arquitetura brasileira (2003); Francisco Spadoni, Dependência e resistência: transição da arquitetura brasileira nos anos 1970 a 1980 (in: Arquiteses 1, 2007), Valéria Cássia dos Santos Fialho, Arquitetura, texto e imagem: a retórica da representação nos concursos de arquitetura (2007).

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(*) a autora é arquiteta e urbanista (UFPE, 2000), tem mestrado em História e teoria da arquitetura (PPGAU-UFRN, 2004), é doutoranda no programa de Ph.D. em Aménagement da Universidade de Montreal, Canadá, bolsista da CAPES, e assistente de pesquisa no LEAP– Laboratoire d’étude de l’architecture potentielle.

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