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Como parte da parceria estabelecida entre o portal e revista concursosdeprojeto.org, o LEAP – Laboratoire d’étude de l’architecture potentielle e a Chaire de Recherche sur les concours, da Université de Montréal publicamos o artigo escrito pela professora Carmela Cucuzzella (*) sobre o Concurso para a Biblioteca Saint-Laurent, em Montreal. O texto, publicado originalmente para o Catálogo de Concursos Canadenses (CCC), trata das controvérsias relacionadas à questão ambiental e a certificação LEED no julgamento de projetos em concursos em Quebec.

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Biblioteca Saint-Laurent – Montreal: Quando o LEED se torna sinônimo de premiação

por Carmela Cucuzzella (*)

(texto traduzido pela editoria de concursosdeprojeto.org)

O concurso para a Biblioteca Saint-Laurent, lançado em Setembro de 2009 em Montreal (Quebec, Canadá) seria uma excelente ocasião para a criação de um novo centro cultural na região norte da cidade. No entanto, os promotores optaram por um processo de seleção que dedicou uma atenção pouco usual às questões ambientais.

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O concurso foi realizado em duas etapas. A seleção da primeira etapa consistiu em uma análise da produção anterior dos candidatos, ao invés da discussão de propostas e novas ideias. Mais especificamente, para ser considerado como finalista, a equipe deveria possuir experiência em certificação LEED. Dos 28 candidatos da primeira etapa, quatro foram convidados para a etapa final: (1) Provencher Roy + associés/Anne Carrier Architectes, em consórcio; (2) ACDF architecture; (3) Chevalier Morales Architectes/Les Architectes FABG; et (4) Cardinal Hardy/Labonté Marcil/Éric Pelletier Architectes, em consórcio.

O concurso para o projeto da nova biblioteca tinha como objetivos uma maior visibilidade em relação ao boulevard Thimens (principal via de acesso) e uma valorização da área verde circundante. Em relação aos critérios de julgamento, vale destacar que a obtenção da certificação LEED na categoria Ouro era uma das principais exigências dos promotores. Vale mencionar que o gestor responsável pela promoção do concurso (Administrador da Regional de Saint-Laurent, Alan DeSousa) era também um dos responsáveis pelas questões de Desenvolvimento Sustentável, Meio Ambiente e Grandes Parques, da cidade de Montreal. Seria essa uma das razões porque a certificação LEED teve tamanha relevância, mais do que o usual, nesse concurso para a Biblioteca de Saint-Laurent?

Concurso - Biblioteca Saint-Laurent - Montreal - Projeto Finalista - Fonte: CCC/LEAP

Os quatro projetos finalistas apresentaram abordagens bem divergentes, porém todos centrados nas questões do desenvolvimento sustentável. O júri destacou que “todos atendem os requisitos para a obtenção da certificação LEED Ouro”.  A equipe do escritório ACDF orientou sua concepção sobre o conceito de compacidade como um princípio fundamental do desenvolvimento sustentável, resultando em uma arquitetura minimalista e elegante. A equipe Chevalier Morales / FABG propôs um conceito de pele dupla, a fim de responder a uma série de demandas ambientais e sociais. Um enfoque especial desse projeto foi a implantação do edifício em relação à floresta circundante, tanto por questões estéticas quanto sobre o controle da luz natural ao longo do dia, procurando assegurar uma ambiência tranquila e conforto de leitura. A implantação do edifício também foi determinada de maneira a preservar as árvores existentes no local. As propostas de Provencher Roy/Anne Carrir e de Cardinal Hardy/Labonté Marcil/Éric Pelletier não adotaram explicitamente estratégias globais relacionadas ao meio ambiente ou à sustentabilidade, mas procuraram enfatizar as soluções tecnológicas de seus projetos. Cardinal Hardy/Labonté Marcil/Éric Pelletier, vencedores do concurso, propuseram uma estrutura monumental que procurava satisfazer uma das principais exigências do programa: a visibilidade. No entanto, ao analisarmos as pranchas não fica claro como tal monumentalidade enfatiza a relação do edifício com a área verde existente. Ao final, a monumentalidade proposta não parece se diferenciar das soluções apresentadas na maioria dos concursos.

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Não podemos concluir este editorial sem comentar a exigência do LEED no concurso em referência. Para obter a certificação LEED a edificação deve pontuar entre 39 e 51 pontos. Mas as equipes deviam demonstrar que seus projetos poderiam obter entre 44 e 46 pontos – mesmo considerando que 39 era suficiente. Por que essa atenção dada à pontuação LEED, e ainda em valores acima do necessário para a certificação desejada ?

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De acordo com as bases do concurso, tal pontuação extra (acima do mínimo necessário) servia como uma margem de segurança, diante de eventuais imprevistos ou mudanças na fase da construção. Seria possível realmente prever, em etapas tão preliminares do processo de projeto, se as construções, uma vez finalizadas, alcançariam a pontuação LEED desejada ?

O regulamento do concurso foi realmente enfático e rigoroso no que se refere à certificação LEED Ouro. Os membros do Júri, concordando ou não, não poderiam ignorar tão exigência e rigor de avaliação, que foram impostos pelos especialistas que participaram do processo, e que constantemente ressaltavam a importância dos critérios da certificação LEED no processo de julgamento. Houve, de fato, uma atenção e uma ênfase desproporcionais sobre o LEED nesse concurso e tal obsessão em relação ao LEED provocou limitações no processo de avaliação e julgamento das propostas. Enfim, seria o projeto vencedor apenas o que melhor atendia as demandas de certificação LEED ou seria de fato o melhor projeto em todos os aspectos? Trata-se de uma questão de extrema importância para o Júri, em especial quando há tamanha divergência de conceitos projetuais.

Esse concurso foi, de fato, um exemplo de como é difícil incorporar questões e preocupações relacionadas à sustentabilidade no programa e nas deliberações do Júri. Mesmo se o objetivo fosse de selecionar o melhor projeto em uma perspectiva mais ampla, tanto na perspectiva individual quanto coletiva do Júri, a intensa pressão pela certificação LEED tornou esse objetivo impossível de ser alcançado. Pesquisas sobre esse tema são necessárias e a catalogação de concursos permite que os pesquisadores estudem os concursos, a fim de que possam ser apresentadas propostas de aperfeiçoamento dos procedimentos, em especial no contexto global e contemporâneo em torno da sustentabilidade. Esta atualização do Catálogo de Concursos Canadenses é uma entre futuras atualizações que certamente contribuirão para o debate em torno da sustentabilidade.

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(*) Carmela Cucuzzella é Professora Assistente na Faculty of Fine Arts – Concordia University e pesquisadora associada do LEAP – Laboratoire d’étude de l’architecture potentielle – Université de Montréal.

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