Brasília: estratégias do não planejamento
por Fabiano Sobreira (*)
Artigo originalmente publicado no Portal Vitruvius (Revista Minha Cidade).
—
Utopia e subdesenvolvimento
Em fevereiro de 1964, cerca de quatro anos depois da “inauguração” da Nova Capital (21 de abril de 1960), em colóquio realizado na Universidade de Toulouse, na França, o geógrafo Milton Santos (1) já anunciava o que hoje constatamos como a realidade urbana e metropolitana de Brasília. Para Milton Santos, apesar do importante papel da nova capital para a redução do desequilíbrio regional, o subdesenvolvimento do país seria – como de fato tem sido – uma barreira para a materialização da utopia moderna, que já nascia em contradição: de um lado, os “aspectos ultramodernos que lhe atribuíram por decreto” e do outro a “fatalidade de haver sido gerada em um país subdesenvolvido” (Santos, 1964). O geógrafo constatava, com a postura lúcida e visionária que sempre o caracterizaram, que o subdesenvolvimento do país já traçava o destino metropolitano marcado pela grave segregação sócio-espacial que hoje testemunhamos em Brasília. A cidade monofuncional idealizada para 500 mil habitantes (Plano-Piloto) é hoje apenas um bairro onde habitam 10% da população da metrópole, que já alcança mais de 2,6 milhões de habitantes e um dos maiores índices de exclusão social no país.
Se a invenção da nova capital era idealizada como uma matriz sobre a qual se desenharia um novo e desejável projeto de nação e como um símbolo de uma nova sociedade que se formava, o que se constatava, desde o início, é que o símbolo não resistiria à realidade. A utopia, de fato, sucumbiu ao subdesenvolvimento. Em Brasília – apesar das utopias espaciais e sociais desenhadas e narradas por Lucio Costa – a realidade se aproximava daquelas comuns às grandes metrópoles latino-americanas, como já previa Santos, marcadas pelo subdesenvolvimento. Afinal, o projeto de sociedade não acompanhou o projeto de cidade.
O subdesenvolvimento urbano de Brasília – a metrópole -, que se contrapõe ao aparente desenvolvimento de seu núcleo simbólico (o Plano Piloto) – é consequência direta do subdesenvolvimento político e social do país, que se alimenta das estratégias de não planejamento, onde o discurso da participação democrática e do interesse público ocultam, nos bastidores, a predominância dos interesses privados e empresariais, como veremos a partir dos exemplos a seguir.
Estratégias do não planejamento
Observamos que Brasília (2), como tantas outras metrópoles brasileiras, sofre do que aqui denominamos “estratégias do não planejamento”: processo que retoricamente tem sido apresentado como “planejamento estratégico”, mas que é baseado em princípios simples, maquiavélicos e de efeitos perversos. No caso de Brasília, outras particularidades tornam tais estratégias ainda mais fáceis de serem executadas: a anomalia política (uma metrópole sem prefeitos e sem vereadores, portanto sem a capilaridade social e política necessária à efetiva participação popular) e uma matriz urbana segregadora e cada vez mais excludente.
Vejamos como funciona o processo da “estratégia do não planejamento”:
Passo 1 – Apresentar à sociedade um discurso de que é necessário planejar e que para isso serão utilizados os instrumentos democráticos previstos na Lei, como os planos diretores e estratégicos, os estudos de impacto, as reuniões e audiências públicas, os concursos de arquitetura e urbanismo, entre outros;
Passo 2 – Ocupar os diversos setores da sociedade (organizada e não organizada), assim como o quadro técnico da Administração Pública, com a discussão em torno de princípios e diretrizes para os planos, definindo metas e eixos de desenvolvimento da metrópole;
Passo 3 – Em sentido oposto, enquanto todos se ocupam e se confrontam nos debates e na elaboração dos planos, os gestores eleitos e os financiadores (reais ou potenciais) de suas campanhas – a portas fechadas – definem as ações que serão implantadas e os projetos que serão realizados, em acordos orientados pelo interesse privado e empresarial.
Em Brasília, pelo menos duas iniciativas públicas recentes (porém de caráter privado) parecem ilustrar bem essa estratégia do não planejamento:
1. A contratação da Jurong Consultants para o planejamento de Brasília para os próximos 50 anos;
2. A parceria público-privada para a exploração de garagens subterrâneas na Esplanada dos Ministérios.
Sobre o contrato da Jurong Consultants
Baseados no discurso do planejamento democrático (Passos 1 e 2 citados anteriormente), encontram-se em formulação e discussão, em Brasília, importantes instrumentos que – pelo menos em tese – deveriam guiar os rumos do desenvolvimento urbano da cidade-metrópole. O Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) é um desses instrumentos. O Plano contém um extenso e rico diagnóstico da condição urbana da metrópole e do entorno e traça eixos para o seu desenvolvimento. Os principais temas do PDOT, orientados pelo princípio legal da “função social da cidade” são: Ordenamento Territorial; Patrimônio Cultural e Ambiental do Distrito Federal; Economia; Transporte Urbano; Habitação e Regularização Fundiária e Participação Popular.
Curiosamente, em paralelo às discussões em torno do PDOT e como se o mesmo não existisse, o Governo do Distrito Federal assinou contrato, em Setembro de 2012, com a Jurong Consultant, uma empresa de consultoria sediada em Cingapura, com o seguinte objeto:
1. Desenvolver um Plano Estratégico e Estrutural da Região da Grande Brasília;
2. Desenvolver um Plano Diretor Conceitual para quatro áreas de desenvolvimento previamente definidas: Aeroporto-Cidade, Parque Industrial, Distrito Financeiro e Parque Logístico.
Esses planos não fazem referência direta ao PDOT, e ainda assim incluem, entre outros produtos relacionados ao espaço urbano: estudos e propostas gerais de uso do solo, impacto ambiental, infraestrutura e transportes. De forma contraditória, o documento que tenta fundamentar a contratação destaca:
“Importante esclarecer que não se pretende elaboração de políticas urbanas mas de projeto de desenvolvimento empresarial conforme os projetos propostos”.
Tal justificativa, se deveria minimizar eventuais polêmicas em torno do contrato, apenas agrava a situação:
1. Sim, trata-se de política urbana (afinal, a que se referem o uso do solo, infraestrutura, transportes, meio ambiente e polos de desenvolvimento econômico, senão elementos fundamentais do desenvolvimento urbano?), porém executada em desacordo com os instrumentos previstos na Legislação Federal e Distrital.
2. Sim, a verdadeira motivação estava de vez explicitada: “desenvolvimento empresarial”. Ora, dos seis tópicos que orientam o PDOT apenas um parece ser objeto de atenção nesse planejamento para a Grande Brasília dos próximos 50 anos: o desenvolvimento empresarial. Não há referências, por exemplo, à discussão sobre a habitação e a regularização fundiária ou ao patrimônio cultural e a gestão ambiental. Além disso, as “áreas de desenvolvimento” sugeridas no projeto (Aeroporto-Cidade, Parque Industrial, Distrito Financeiro e Parque Logístico) não parecem guardar correlação com as prioridades de desenvolvimento metropolitano traçadas no PDOT. De fato, os interesses empresariais parecem ter sido colocados acima dos interesses coletivos e da função social da cidade.
Como se não bastassem o desvio flagrante dos interesses coletivos, o desrespeito aos eixos de desenvolvimento metropolitano traçados no PDOT e a desobediência aos princípios participativos do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), o contrato com a Jurong Consultant (no valor de aproximadamente 9 milhões de reais) ainda resulta de uma ação ilegal: a empresa Jurong Consultant foi contratada por notória especialização, sob a justificativa de inexigibilidade de licitação pública para a contratação dos serviços. Mesmo as quatro páginas de justificativa da Procuradoria Jurídica (3) não são convincentes em tentar justificar a contratação. Fala-se da experiência da empresa, da singularidade do objeto, mas não há argumento para o fundamental: de acordo com o Art. 25 da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), a inexigibilidade apenas se justifica “quando houver inviabilidade de competição”. Como justificar que seria inviável abrir um certame internacional para selecionar publicamente os melhores especialistas (geógrafos, economistas, arquitetos, urbanistas, engenheiros, entre outros), reunidos em equipes multidisciplinares e envolvê-los na discussão da Brasília-Metrópole do futuro? Há diversos exemplos no contexto internacional que comprovam a viabilidade e as vantagens da competição e da colaboração. A contratação por notória especialização, no entanto, parecia mais conveniente para os interesses empresariais, apesar de contrária ao interesse público.
Sobre o edifício-garagem e a PPP da Esplanada
Outro exemplo de estratégia contrária às diretrizes do planejamento e ao interesse público é a proposta recém anunciada pelo Governador do Distrito Federal e pelos então presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, de construção de uma garagem subterrânea para cerca de 10.000 veículos na Esplanada dos Ministérios. O empreendimento seria executado e gerenciado por uma PPP (Parceria Público-Privada), com investimentos de aproximadamente 800 milhões de reais (4).
Enquanto o PDOT, acertadamente, define como um dos eixos de desenvolvimento o investimento no transporte público, o GDF apresenta uma proposta que sugere o contrário: o foco no transporte individual e insustentável.
A ideia do GDF, lançada publicamente em janeiro de 2013, não é nova. Mudam os atores, repete-se o enredo: em 2005 o então governador Joaquim Roriz anunciava um projeto de Oscar Niemeyer para uma garagem subterrânea também para cerca de 10.000 veículos (5).
Nos dois casos o empreendimento seria desenvolvido por parcerias público-privadas, em que o interesse empresarial parece predominar sobre o interesse público. Afinal, não há transparência nem debates sobre os projetos e seu impacto urbano.
Sem dúvida, a paisagem ficaria mais agradável sem os carros que ocupam o Eixo Monumental. Mas a solução não é simplesmente enterrá-los, e sim criar instrumentos que reduzam o volume de carros no centro, oferecendo condições favoráveis ao transporte público. Enquanto outras metrópoles definem estratégias para inibir a presença dos automóveis individuais das áreas centrais (Londres, Paris, Nova Iorque, Bogotá…) e incentivar o transporte público, em Brasília o foco continua sendo, infelizmente (e desde sua origem), o carro. Na prática, o que se deduz dos fatos é que há um grande potencial de mercado na exploração de vagas de automóveis em áreas centrais, que no entanto é conflitante com o interesse coletivo, voltado para a melhoria do sistema de transporte público e a redução do tráfego de veículos individuais nas áreas centrais.
Vontade criadora e subdesenvolvimento
Sim, é necessário pensar Brasília para os próximos 50 anos; é salutar pensar formas de dinamizar e diversificar os eixos de desenvolvimento; é correto oferecer serviços e infraestrutura que diminuam o impacto dos veículos na Esplanada dos Ministérios. Mas é essencial, em qualquer caso, que sejam respeitadas as diretrizes de preservação, inclusão social e sustentabilidade.
Estudos realizados em 2006 pelo governo francês em parceria com universidades (6) revelam que a fórmula das PPPs apenas trazem bons resultados quando o Estado (por meio de seus órgãos técnicos) detém o poder de decisão sobre a concepção, isto é, sobre os projetos e as estratégias de planejamento. Quando essas decisões ficam a cargo da iniciativa privada, o resultado, inevitavelmente, é a perda de qualidade – como se constatou em muitos serviços gerenciados por meio de PPPs na Inglaterra.
É importante ressaltar que o desenvolvimento sustentável de Brasília, como o de qualquer outra cidade, depende diretamente de uma estrutura política e social construída sobre bases igualmente sustentáveis, fundamentada na coletividade e no interesse público. Uma estrutura social e política subdesenvolvida (segregadora e excludente) leva, invariavelmente, a um espaço urbano subdesenvolvido (segregador e excludente).
Nas palavras visionárias de Milton Santos:
“Vontade criadora e subdesenvolvimento do país são (…) os termos que se afrontam na realização efetiva de Brasília. É da sua confrontação que a cidade retira os elementos de sua definição atual.” (7)
Em resumo, quando a vontade criadora se apresenta a serviço da coletividade o resultado é a cidade-símbolo, centro cívico do país, que se tornou Patrimônio da Humanidade. Quando essa vontade é marcada pelo subdesenvolvimento social e político e movida pelos interesses privados e empresariais, o resultado é a metrópole segregadora e as estratégias de não planejamento e exclusão social que têm caracterizado Brasília.
_________________________________________________________________________
notas
1
Santos, Milton. Brasília e o subdesenvolvimento brasileiro. In: A cidade nos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. P. 53-68.
2
Neste texto nos referimos a Brasília como a cidade-metrópole, correspondente ao Distrito Federal (DF). As cidades-satélites ou Regiões Administrativas do DF não têm autonomia econômica e política e portanto não podem ser consideradas cidades, mas bairros da grande cidade-metrópole à qual nos referimos neste texto simplesmente como Brasília.
3
Contrato do GDF com a Jurong Consultants:http://www.transparencia.df.gov.br/ContratoSingapura/Forms/AllItems.aspx
4
Notícias sobre a Garagem Subterrânea sob a Esplanada
http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ADMINISTRACAO-PUBLICA/434855-GRAMADO-EM-FRENTE-AO-CONGRESSO-TERA-GARAGEM-SUBTERRANEA-COM-10-MIL-VAGAS.html
5
“Roriz dá a largada para construção de garagem subterrânea na Esplanada dos Ministérios” http://portal.conlicitacao.com.br/licitacao/noticias/obras-roriz-da-a-largada-para-construcao-de-garagem-subterranea-na-esplanada-dos-ministerios/#ixzz2NTGSvbpn
6
http://www.archi.fr/MIQCP/IMG/pdf/Rapport_PFI_2006.pdf
7
Santos, Milton. Brasília e o subdesenvolvimento brasileiro. In: A cidade nos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965. P. 53-68.
_________________________________________________________________________
(*) Fabiano José Arcadio Sobreira é Arquiteto e Urbanista. Doutor em Desenvolvimento Urbano (UFPE/University College London). Pós-Doutorado na École d’architecture – Université de Montréal. Chefe da Seção de Projetos e Sustentabilidade da Câmara dos Deputados. Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Sócio do escritório MGS – Macedo, Gomes & Sobreira e Editor do portal e revista concursosdeprojeto.org.
Parabéns pela abordagem incisiva e clara.
A realização de Brasilia foi produto de logica empresarial, o exito do concurso do plano piloto exemplo de manipulação e logica empresarial, a ausencia de concurso para os edificios pùblicos projetados por Niemeyer foi consequencia da proximidade do arquiteto ao mundo empresarial. (So para indicar que o problema è antigo).
No caso especifico de Brasilia visto que a cidade havia sido concebida para 500K abitantes, nada mais logico que impor um limite territorial à seu crescimento infinito e projetar novos “centros” autonomos a uma certa distancia, pois qualquer plano de expansão so faz aumentar apetite empresarial.
Nada justifica na sociedade atual a falta de partecipação na coisa publica, no planejamento de nossas cidades e territorio. Assim como nada justifica hoje que associacoes de arquitetos e urbanistas nao somente em paises subdesenvolvidos não possuem instrumentos adequados para exigir transparencia nos concursos publicos, e contrastar qualquer obra publica que nao seja projetada por meio de concurso.
O subdesenvolvimento e as tecnicas de “nao planejamento” corretamente ilustradas no texto tem a função de perpetuar o controle privado empresarial sobre crescimento urbano, infraestruturas, desenvolvimento imobiliario, transformação e uso do solo.
O subdesenvolvimento tambem està na falta de competencia, etica profissional, e consiencia dos objetivos sociais da arquitura, urbanismo, politica, etc…. Ao passo que o uso improprio dos recursos publicos o condicionamento das decisoes politicas por parte de lobbies e poderes ocultos são apenas crimes e como tais deveriam ser perseguidos e contrastados.
Abordagem excelente e Elucidativa!
Doutor Sobreira, Parabéns pela aula de cidadania e sobre Brasilia. Brilhante e pedagógica abordagem de planejamento e gestão urbanistica. Vimos no texto uma crítica (construtiva) da comprometida gestão pública de Brasilia, cujos fatos e atos politicos confirmam o descompromisso com a cidade. Enxergamos de todos os lados o desrespeito com a coisa pública e o direito difuso da sociedade. O plejamento ubanistico das cidades é de vital importåncia. Brasilia nasceu de um planejamento urbanistico inovador e premiado, o que lhe rendeu o título de patrimônio cultural da humanidade. Antes de nascer a cidade, muitos estudos foram feitos e com muita responsabilidade socio-ambiental. Porém, a força do subdesenvolvimento político de Brasilia, ao longo de seu 53 anos, vem conduzindo Brasilia para se tornar uma cidade colonial – não planejada e sem limites.
Parabéns pela iniciativa de aprofundamento no tema do planejamento de Brasília.
Acredito que seja oportuno fazer algumas colocações dada a singularidade que é, e sempre será, Brasília.
É de se lembrar que a limitação de gabarito do Plano Piloto e sua situação de tombamento garantem por si só que Brasília, Plano Piloto, é, infelizmente, para poucos. Historicamente a valorização da terra leva a verticalização de qualquer cidade diminuindo-se custos e, acredite se quiser, tornando a cidade mais sustentável. Esse é o ponto: Brasília na configuração atual é um modelo insustentável. É de se destacar que o IDH “escandinavo” do Plano Piloto é mantido a custa de um imenso quadro de servidores. O fato de essa ser a principal força econômica do DF preocupa. Preocupa porque esta condição só é mantida por aportes federais diretos e indiretos ao “Custo Brasília”. O Brasil pagou e ainda paga Brasília. Preocupa também porque a carreira pública tem sido um dreno de profissionais altamente capacitados (Brasília tem uma das maiores médias de anos de estudos per capita do país) que muitas vezes, não todas, acabam sendo subutilizados em cargos públicos. Não raro se tornam profissionais infelizes desviados de seus sonhos conformados por terem alcançado algo tão desejado entre tantos outros jovens “concurseiros’: a estabilidade. Por último preocupa porque a capacidade de endividamento do funcionalismo gera uma pressão inflacionária em todo o DF. Hoje a emigração supera a migração para a capital. São pobres quem têm saído daqui. Tendo por base a classificação do IBGE praticamente não temos mais pobres dentro do DF (1% de pobres e 0,5% de miseráveis). Ilude-se quem achar que isso se deve exclusivamente ao aumento da renda. Todo esse raciocínio leva a conclusão de que para termos mais vitalidade na função já alcançada por Brasília, a de pólo regional, necessitamos de maior pujança econômica, dinamicidade e geração de riqueza fora do estado. Como sabemos é um desafio.
Não contribui para esta empreitada associar toda e qualquer iniciativa privada a algo necessariamente ruim, pelo contrário, a maioria dos funcionários e, pasmem, empresários, trabalha por remunerações menores que as ofertadas pelo serviço público. Não obstante, estes atores são fundamentais para obtermos como retorno uma cidade menos centralizada, com sub-centros pujantes resultando em qualidade de vida ascendente nas cidades-satélites (que embora tão criticadas há muito são melhores do que a maioria dos municípios do país) e entorno. O interesse privado e o interesse público podem e devem andar juntos. É papel crucial da administração moderna do estado permitir essa convergência e equilíbrio.
Dito isto é de se entender, mas não justificar, a tentativa do governo do DF de viabilizar respostas politicamente velozes (para conciliar o necessário desenvolvimento econômico de Brasília e o tempo político das decisões). Negligenciar o PDOT é um equívoco, no entanto não está claro se de fato ele seria negligenciado, até porque seria crime, mas é certo que a preocupação do governo foi mirar uma consultoria que foca o aspecto econômico da cidade, algo que o PDOT, pela sua natureza, tangencia. Acrescenta-se ainda a esse imbróglio a demanda por respostas mais rápidas pela cidade e pelo governo que imobilizado pela sua própria morosidade interna opta pela contratação de ajuda externa, no caso a consultoria Jurong Consultants. E opta, como nem todos sabem, por ela ter sido muito eficaz, até onde tudo indica, em suas propostas para Belo Horizonte. A questão é que Brasília não é apenas mais uma cidade. Brasília é demasiadamente complexa para soluções definitivas. No entanto isso não deve nos impedir de cobrarmos rapidez do poder público no planejamento da cidade. A imensa ilegalidade fundiária do DF mostra, infelizmente, que o poder público está sempre um passo atrás nessa matéria.
Ainda assim permaneço otimista e quero acreditar que o planejamento de Brasília em tempo melhorará.
Muito bom. Parabéns! Essa situação em Brasilia e um absurdo e totalmente ilegal mas, como tanta coisa que se passa no Brasil, fica tudo por isso mesmo.
Sem palavras… Leitura Obrigatória para os alienados dessa cidade.
Dizer que “o projeto de Brasília sucumbiu ao subdesenvolvimento do país, afinal o projeto de sociedade não acompanhou o projeto da cidade” seria correto se em algum tempo tivesse havido qualquer projeto de sociedade. No Brasil e tão pouco nos países sulamericanos nunca houve projeto nenhum de sociedade, essa que é a triste realidade. Ter construído Brasília, especialmente na época em que se construiu, foi o maior absurdo cometido pelos governos brasileiros de todo o século XX, senão desde 1.500 até os dias de hoje. Bem ou mal o país já tinha uma capital consolidada, se ia mais para mal do que para bem, haviam inúmeras prioridades que não a construção de uma nova sede administrativa para o país. Seria o mesmo do que uma família pobre se endividar até o pescoço para construir uma casa nova e linda em detrimento de suas necessidades elementares. A construção de Brasília só trouxe problemas ao país, além de ter agravado e/ou duplicado os já existentes antes de sua idealização: um país com altíssimo índice de analfabetismo, que já naquela época não contava com investimentos na área da saúde compatíveis com suas necessidades, que já naquela época não valorizava a educação, sendo o professor uma classe heróica neste país desde sempre e até hoje, especialmente sob o ponto de vista da remuneração. Sob o ponto de vista da segurança, há dois focos enormes de violência no Brasil de hoje: o Rio de Janeiro e as cidades satélites de Brasília. Claro que no caso do Rio de Janeiro, isso deveu-se ao abandono, à inércia dos fiscais diante da invasão de áreas non edificandi e inabitáveis, como os morros, mas será que se continuasse o Rio a ser a capital, isso teria ocorrido? Provavelmente não, mas ainda que tivesse ocorrido, hoje temos dois focos, dois problemas gravíssimos, seríssimos e que governo nenhum se demonstrou capaz de solucionar. Foi deixado de lado também o sistema de transportes. A malha ferroviária brasileira foi abandonada e substituída pela malha rodoviária. Na Alemanha, na França, no Canadá, no Japão também se desenvolveram as rodovias, mas jamais se abandonaram as ferrovias, muito pelo contrário, os trens destes países são muito mais seguros, muito mais rápidos e muito mais econômicos do que qualquer transporte rodoviário. No transporte de cargas então, não há termos de comparação, uma composição de trem, com um único motor, leva a carga de centenas de caminhões, sem gastar pneus, sem poluir tanto o planeta. Nunca se investiu nada em hidrovias neste país, uma país com uma malha hídrica perene ímpar no mundo. Tínhamos inúmeras prioridades na década de 1.950, mas eles preferiram fazer uma “casa nova” e hoje nós estamos pagando o preço desta improbidade cujos problemas deverão se estender por algumas gerações ainda. Nunca precisamos de governos visionários que nos criem mais problemas, precisamos sim de governos que simplesmente enxerguem os problemas que já temos e que nunca receberam a devida a atenção. Começar por um projeto de sociedade, seria um bom começo.