Escola Novo Mangue, projeto vencedor de concurso para uma escola pública direcionada para educação ambiental, organizado em conjunto pelo Centro de Cidadania Umbu-Ganzá, UNICEF, Prefeitura da Cidade do Recife e com financiamento internacional pela Rede de TV de Luxemburgo. O escritório O Norte – Oficina de Criação foi o vencedor do concurso. Veja a seguir imagens, projeto e breve descrição da obra.
Descrição do Projeto (texto dos autores)
A comunidade
A comunidade do Coque está estrategicamente localizada numa área de grande valor imobiliário, no cruzamento de dois importantes eixos do centro expandido da cidade do Recife (1.538.000 hab.- ONU 2010), capital do estado de Pernambuco, nordeste do Brasil.
Cercada por avenidas, viadutos, pontes e bairros nobres, o Coque foi e é importante palco de resistência e cultura desde sua origem. Remanescente da ocupação de descendentes de escravos, seguranças da produção açucareira que se deslocava para o porto (séc. XIX) e erguida sob um aterro de lixo, a comunidade viu seu núcleo inflar nos anos 1950 com o histórico êxodo rural de famílias provenientes da zona da mata pernambucana.
Desde então, a comunidade é protagonista na luta pela legalização e posse da terra. Essa ação iniciada nos anos 1970, permitiu à área ascender à condição de Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), que fez com que 26 favelas do Recife tivessem uma legislação específica que amparasse suas permanências. A experiência recifense com as áreas de ZEIS foi a matriz para criação de leis e ações federais de uma política pública de desenvolvimento urbano e habitacional no plano nacional.
Protegidos por uma nova legislação urbana, a comunidade sofreu um abrupto processo de urbanização a partir dos anos 1980 e desde então vive sob constante ameaça da “expulsão branca” promovida por tentativas da especulação imobiliária.
O bairro é um dos mais carentes da cidade (IDH-M 0,632 – Ano 2000) e nesse ambiente de profunda desigualdade social, 42,52 % da população sobrevive com salário mensal de até U$$ 230,00 e apresenta baixos índices de acesso à saúde, educação, moradia, saneamento e emprego.
Apesar de ser considerada como uma das áreas “mais violentas da cidade”, a comunidade tem um histórico de mobilização popular para se opor aos estigmas, às pressões que sofre no dia-a-dia e ir a luta por sua manutenção e sobrevivência.
O Projeto da Escola
Na década de 90, a ONG Centro de Cidadania Umbu-Ganzá atuava na comunidade do Coque e captou, juntamente com o UNICEF, recursos da Rede de TV e Rádio de Luxemburgo para construção de um equipamento público a ser definido pela coletividade. Os moradores optaram por uma escola de ensino fundamental, tendo em vista a carência deste tipo de equipamento no bairro. No Coque a taxa de analfabetos funcionais para a população adulta é de 81% e para jovens entre 18 e 24 anos é de 74% (IBGE 2000). Coube à Prefeitura da Cidade do Recife a doação de um terreno de 1.700,00 m2, localizado às margens do braço morto do Rio Capibaribe, para a construção da escola.
A ONG promoveu um concurso para escolha do projeto a ser construído, com uma comissão julgadora formada por representantes da comunidade e da Secretaria de Educação do Recife. Uma das exigências do concurso era de que a futura escola oferecesse segurança aos alunos, professores e funcionários, não fosse privada de ventilação e iluminação naturais e proporcionasse um ambiente de acolhimento às crianças da comunidade, normalmente expostas à violência doméstica e à situação de risco oferecida pelo tráfico de drogas. Além disso, grande parte da mão de obra para a construção da escola (pedreiros, serventes e ajudantes) deveria ser composta por moradores da própria comunidade do Coque.
Entendendo os anseios dos envolvidos no processo, três premissas básicas nortearam a concepção da proposta vencedora da escola e foram vitais para na decisão da escolha pela comunidade: dar ao Rio Capibaribe um protagonismo no novo cenário a ser construído; desenvolver um equipamento de qualidade com alta performance ambiental dentro das grandes restrições orçamentárias impostas pelo concurso; e criar um produto arquitetônico resistente ao vandalismo, tendo em vista a difícil realidade social do Coque e seus altos índices de criminalidade.
A decisão de abrir o edifício ao Rio Capibaribe determinou o espírito do empreendimento: um local de formação educacional preocupado com o meio-ambiente onde todas as salas de aula se abrem para um rio poluído, e que passaria a ser observado, cuidado e transformado. A implantação em “L” gerou um pátio de preciosa qualidade espacial tanto como transição entre o rio e o edifício tanto como lugar de respiro e contemplação do mangue. A espacialidade proposta reafirmou a importância do rio e facilitou o trabalho educativo e curricular da escola para revigorar a vegetação ribeirinha e transformar a paisagem do entorno do edifício. Esta iniciativa não só alterou completamente a paisagem ao longo dos anos, como também fez mudar o próprio nome da escola que passou a se chamar Novo Mangue.
O limitado orçamento para a obra direcionou algumas decisões importantes dentro do processo de concepção de arquitetura. A condição privilegiada do terreno, com suas quatro faces liberadas, orientou o uso de grandes beirais para garantia de sombreamento dos espaços de estar e circulação. Nos fechamentos, materiais de construção à base de argila – tijolos e telhas – foram amplamente utilizados a fim de atingir a melhoria no conforto térmico do edifício. Optou-se também por uma obra sem revestimentos e sem pintura onde a materialidade se apresentasse de forma crua, sem devaneios. Soluções em consonância com o que tradicionalmente é adotado na comunidade e de fácil entendimento por parte de uma mão de obra pouco qualificada.
A edificação foi desenvolvida a partir de septos que conduzem o usuário a uma interação direta com os pátios internos, os jardins e com o rio. A ausência de janelas foi compensada por “rasgos para se ver o céu” dentro das salas de aula que, generosos em largura e ocupando toda a fachada leste da escola, configuram um jardim interno que ilumina e permite a troca de ventilação natural. Nas paredes, a porosidade necessária em edifícios construídos nos trópicos foi conseguida com a montagem rotacionada de trechos dos tijolos, configurando uma renda de alvenaria que permite certa transparência do interior das salas de aula para o rio. Esta solução, além de evitar a sensação de confinamento no espaço interno, permitiu a constante ventilação cruzada nas salas. A opção de não ter janelas também resolveu o problema crônico do vandalismo ao dificultar arrombamentos e destruição do patrimônio com a substituição de envasaduras por pérgolas de nervuras nuas de concreto utilizadas em lajes pré-moldadas. Apesar dos poucos recursos a construção buscou, através de soluções simples, ser porosa e adequada para as condições climáticas dos trópicos brasileiros.
No tecer dos anos, a ocupação da escola foi marcada pela aceitação e acolhimento do equipamento pelo corpo docente e pela comunidade. A escola passou a ser palco de pedagogias com forte apelo à cultura popular, com a criação de grupos de música, capoeira e maracatu. A implantação da escola estimulou o reflorestamento do manguezal nas margens do Rio Capibaribe e tornou o equipamento um ponto de referência não somente para as crianças, mas para toda a comunidade, que utiliza o espaço como centro de cultura e de cidadania.
Ficha Técnica
Autor do projeto de arquitetura: O Norte – Oficina de Criação
Bruno Lima, Francisco Rocha, Lula Marcondes
Participação: Fábio Comunello
Cliente: UNICEF, ONG Umbu-Ganzá
Endereço: Comunidade do Coque, Ilha Joana Bezerra, Recife/PE
Data do início projeto (ano): 1999
Data da conclusão da obra (ano): 2000
Área do terreno: 1.700,00 m2
Área construída: 720,00 m2
Agradecemos aos autores pela disponibilização do projeto para publicação.
muito sutil e autêntico… parabéns. Uma arquitetura pelo espaço…
Excelente…. e uma bela planta….parabéns….