Helfil, 1978

Henfil, 1978 (ou seria 2016? )


Arquitetos, pela democracia !

texto de Fabiano Sobreira (*)

O ano de 2016 precisa ser revisto (para não ser esquecido) – mesmo que simbolicamente, pois seus efeitos não desaparecerão com o simples encerramento do ciclo e as celebrações do ano novo.

Algumas vezes nós, arquitetos, mergulhamos em um mundo paralelo e restrito, de debates, encontros, livros, projetos e eventos, que interessam quase que exclusivamente a um “círculo privilegiado”. Enquanto isso, o mundo “lá fora” entra e sai de guerras;  golpes são planejados e efetuados; democracias destruídas… e nós arquitetos – muitas vezes – continuamos alheios, em nosso estranho mundo incólume.

Ser editor de um veículo que trata de concursos de arquitetura parece nos isolar ainda mais, por tratar de uma dupla exclusividade: afinal, trata-se de falar de eventos de exceção (concursos), em um universo de exceção (arquitetura).

Por outro lado, o que nos alenta é que falar sobre e defender os concursos de projeto significa defender uma prática democrática em um meio em que os círculos privilegiados e as vantagens pessoais tendem a se sobrepor ao talento e à criatividade. Ou, como diziam os enciclopedistas da Revolução Francesa: em uma República, os concursos serviriam para livrar os artistas das intrigas (causadas por eles próprios) e da ignorância (atribuída aos gestores).

Mas como defender e promover um processo democrático, como o concurso, em um Estado não democrático,  como o nosso ?

Defender concursos de Arquitetura é, antes de tudo, defender a Democracia. Não se trata aqui de defender um instrumento pelas vantagens corporativistas ou pessoais que possa trazer, e sim pelo benefício social que a transparência, o debate, a isonomia e a democracia trazem ao processo e ao que resultar dele (isso vale para a Arquitetura e para a Política, vale salientar). Acreditamos que uma escola, uma biblioteca, um centro de saúde ou uma praça que nascem de processos democráticos tendem a resultar em espaços de melhor qualidade e, consequentemente, cidades mais  humanas.

É verdade que o concurso, como a Democracia, nem sempre é conduzido como se deveria; nem sempre traz os resultados que esperamos; e nem sempre promove a participação da sociedade como se propõe. Mas não se pode condenar o sistema democrático como um todo por revanchismos ou falhas processuais (por sinal, inventadas com cada vez mais frequência neste mundo excessivamente judicializado). Nesse sentido, vejo nos concursos – no contexto Brasileiro – uma triste metáfora da crise política, social e humana que vivenciamos. Infelizmente, o que observamos é que na Democracia, como nos concursos,  para muitos, se o resultado não agrada, o sistema é colocado em questionamento.

Em 2016 observamos situações que acreditávamos estarem superadas. Acreditávamos que gritar “Diretas Já” ou fazer convocações públicas “Pela Democracia” e “Contra o Golpe” eram coisas do passado. Acreditávamos que ser presos ou agredidos por defender a justiça social era coisa do passado. Acreditávamos estar em outro nível de civilidade democrática. Hoje, ao folhear revistas com tiras de Henfil, publicadas entre 1978 e meados dos anos 1980, vi que o assunto está em pauta (ou, o que é mais triste, nunca deixou de ser atual). E pelo que temos observado, não apenas as tiras, as charges e os cartuns se assemelham: a reação do Poder instaurado e a truculência da Polícia, sob suas ordens, também ensaiam semelhanças com aquele período sombrio que julgávamos extinto.

Voltando à Arquitetura, julgávamos que havíamos superado a fase de defender o concurso enquanto premissa e que o próximo passo seria torná-lo obrigatório, como nas democracias europeias ocorre há mais de 200 anos. Triste constatação: no final de 2016 uma nova Lei foi aprovada em que a palavra “concurso” praticamente deixou de existir na Legislação para contratos de projetos e os estes passaram a ser cada vez mais desnecessários para contratações de obras públicas. A razão é simples: concurso significa discussão democrática de projeto; projeto significa pensamento crítico; pensamento crítico alimenta a democracia e isso tudo é indesejável em um Estado em que o interesse privado se sobrepõe ao interesse público.

Ao longo de 2016 foram lançados apenas 11 concursos nacionais de arquitetura e urbanismo no Brasil, 08 dos quais promovidos e organizados pela CODHAB-DF. Trata-se de uma das poucas iniciativas a serem celebradas neste ano, não apenas no aspecto quantitativo, mas especialmente qualitativo. Resta trabalhar para que os concursos se convertam em contratos (em grande parte já se converteram) e que os contratos se convertam em obras públicas de qualidade.

Por outro lado, é triste constatar que o Governo que é capaz de reunir um quadro técnico de excelência em torno da promoção de concursos de projeto como nenhuma outra instituição realizou nos últimos 10 anos no país (talvez em toda a história dos concursos no Brasil, a se confirmar), é o mesmo Governo que promove e comanda a truculência, a violência e o Estado de Exceção contra as manifestações pela Democracia e pela Educação, como testemunhamos nos últimos meses de 2016 em Brasília.

Por tudo isso, lutar “Contra o Golpe”, “Pela Democracia” e por “Diretas Já” é uma demanda urgente. Por tudo isso, vale celebrar o ano que se inicia pensando na (quase cliché,  porém mais do que nunca oportuna) frase de Oscar Niemeyer:

 “O mais importante não é a arquitetura, mas a vida, os amigos e este mundo injusto que devemos modificar.”

henfil_o-povo-e-ilegal

Helfil, meados dos anos 1980 (ou seria 2017?)


(*) Fabiano Sobreira é arquiteto e urbanista, editor do portal concursosdeprojeto.org.