por Fabiano Sobreira (*)
Projeto de Jean Nouvel (torre à esquerda) selecionado em concurso realizado em 2008 para a Tour Signal de la Défense.
CONCURSOS DE PROJETO NA FRANÇA – ATUALIDADES E HISTÓRICO
A frança realiza cerca de 1200 concursos de projeto a cada ano, uma vez que o projeto de arquitetura de toda obra pública (acima de um valor mínimo indicado) deve ser submetida a um concurso de projeto. O atual panorama é resultado de uma política pública relacionada à Arquitetura como objeto de interesse público, iniciada nos anos 70 e implementada, com mais intensidade, a partir dos anos 80.
Apesar do sucesso da política relacionada aos concursos, alguns arquitetos franceses já renomados, que se beneficiaram dos concursos dos anos 80 e que hoje já são reconhecidos em função dos mesmos, têm questionado a validade do processo atual. Apesar de eventuais críticas, o sistema de concursos na França hoje é associado a uma política de qualidade da Arquitetura Pública.
Veja abaixo um breve registro cronológico dos eventos que culminaram com a atual política pública:
1971 – Lançado o Plano de Construção – Reflexões sobre a melhoria da qualidade arquitetônica no setor público. Como parte do plano, foi lançado o PAN – Programa de Arquitetura Nova, concursos realizados para jovens arquitetos, e que deu origem ao EUROPAN atual;
1977 – Lei declara que a Arquitetura passa a ser de Utilidade Pública. É criada a Missão Interministerial pela Qualidade das Construções Públicas (MIQCP), órgão que até hoje é o principal responsável pela formulação de políticas e procedimentos relacionados à gestão da arquitetura pública no país;
1978-1980 – Programa – Criação Arquitetônica e Qualidade das Construções Públicas
1980 – Criação do Instituto Francês de Arquitetura
1983 – Processo de descentralização política que aumentou potencialmente o número de “clientes” da arquitetura pública
1986 – Revisão do sistema de concursos – maior restrição.
2006 – Versão mais atualizada da Lei de Contratações Públicas, que mantém o concurso como obrigatório para projetos de obras públicas.
Projeto de David Chipperfield, em conjunto com o francês Duplantier Architecte, para a Escola de Administração, em Paris. Concurso realizado em 2008.
CONCURSOS – REGULAMENTAÇÃO ATUAL
Legislação
A contratação de projetos para obras públicas na França é regulamentada pela Lei de Contratações Públicas (Lei 2006-975, Arts. 38, 70 e 74), que define: os projetos de arquitetura cujo valor estimado seja igual ou superior a 135.000 Euros devem ser contratados por meio de CONCURSO .
O MIQCP recomenda que seja utilizado o CONCURSO, independente do valor ou da escala do projeto, sempre que estejam envolvidas questões arquitetônicas ou patrimoniais de grande interesse público.
Organização
Os concursos de projeto na França são promovidos diretamente pelas instituições públicas. A Missão Interministerial de Qualidade da Construção Pública é o órgão central responsável pela formação de técnicos e gestores, assim como pela preparação de manuais, publicações procedimentos relacionados ao tema.
Formatação dos Concursos
Os concursos para projetos de arquitetura na França, contratados pelo poder público, são restritos e realizados em duas fases.
Fase 1 – Seleção de Candidaturas
A primeira fase dos concursos se refere a uma seleção de candidaturas baseada no histórico de projetos, na experiência profissional, capacitação técnica e financeira. Não há desenvolvimento de projeto nesta fase.
Fase 2 – Apresentação de Estudo Preliminar
O produto da segunda fase é o Estudo Preliminar, elaborado com base no programa disponibilizado. Participam desta fase entre 3 e 5 concorrentes selecionados na fase anterior. Cada participante desta fase que entrega o referido Estudo Preliminar é remunerado. O valor da remuneração equivale a 80% do valor de mercado para o referido Estudo Preliminar.
Julgamento
As candidaturas e os projetos são analisados por uma comissão julgadora indicada pelo gestor público. A decisão final sobre a contratação é tomada pelo gestor, com base nas indicações apresentadas pela comissão julgadora. Pelo menos 1/3 da comissão deve ser composta por profissionais habilitados em Arquitetura. Conforme conveniência, pode ser indicada uma Comissão de Consultores, com a função de oferecer suporte técnico ao trabalho do júri.
Julgamento – Fase 1
A primeira reunião do júri é dedicada à análise das candidaturas. Nessa reunião o juri também analisa o programa e o regulamento do concurso e pode apresentar sugestões de mudanças, se for o caso. A MIQCP recomenda que o regulamento e o programa sejam fornecidos ao júri com antecedência, para sua apreciação e eventuais recomendações de mudança. O anonimato não se aplica a esta primeira fase do julgamento. Cabe ao gestor responsável a aprovação dos candidatos indicados pelo júri.
Julgamento – Fase 2
A MIQCP recomenda que a segunda fase do concurso se inicie com uma reunião entre os candidatos selecionados e o gestor responsável a fim de esclarecer dúvidas referentes ao programa e as condições gerais do concurso.
Após a reunião preliminar, cada concorrente deve elaborar sua proposta em nível de Estudo Preliminar, de forma anônima, acompanhada de proposta financeira. Apresentados os projetos, a Comissão Técnica analisa o material disponibilizado e realiza a necessária verificação (funcionalidade, adequação ao programa, orçamento, soluções de infra-estrutura, etc), assim como as anotações pertinentes para facilitar o trabalho da Comissão Julgadora. O julgamento, propriamente dito, dos projetos enviados, ocorre sob condição de anonimato. Ao final do julgamento o júri elabora ata, que deve conter as observações relativas a cada projeto analisado, em especial sobre as razões da indicação do projeto vencedor. O resultado é encaminhado ao gestor, a quem cabe a decisão final sobre a premiação e a contratação.
Negociação e Contratação
O valor do contrato para o projeto não é pré-estabelecido. Finalizado o julgamento e indicado o vencedor, inicia-se – entre a equipe vencedora e o gestor público responsável – o processo de negociação sobre o escopo do trabalho e a respectiva remuneração. Além do projeto, a equipe pode ser contratada para o acompanhamento, supervisão e coordenação da obra.
LINKS ÚTEIS
MIQCP – Missão Interministerial para a Qualidade da Construção Pública
Seguem abaixo documentos que regulamentam o procedimento de contratação pública de projetos de arquitetura na França por meio de concurso:
GUIA DE PROCEDIMENTOS – CONCURSOS (em francês)
MODELO COMENTADO – EDITAL E REGULAMENTO (em francês)
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O objetivo da seção PANORAMA é apresentar uma síntese da política pública e da regulamentação relacionadas aos concursos de projeto em diversos países, assim como a indicação de links relevantes. Os textos desta seção estão sujeitos a atualizações, portanto eventuais referências em publicações devem citar a data de consulta. Clique aqui para acessar o conteúdo já publicado nesta seção.
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(*) o autor é Arquiteto e Urbanista e Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (Seção de Acessibilidade e Projetos Sustentáveis – Núcleo de Arquitetura) e também professor e pesquisador no Dept. de Arquitetura e Urbanismo do UNICEUB, em Brasília.. O presente texto foi desenvolvido como parte da pesquisa de pós-doutorado desenvolvida no Laboratório de Estudos da Arquitetura Potencial (LEAP) – École d’architecture de l’Université de Montréal (2008-2009).
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Parece-me equivocada essa prática de pré-selecionar arquitetos, como a França estabelece em sua regulamentação de concursos públicos. Isso acaba restringindo as possibilidades de participação dos arquitetos mais jovens, sem muita experiência talvez, mas às vezes com mais criatividade e energia. Isto traz renovação e o surgimento de novos valores, fundamental para a atualização e democratização da profissão. Concursos públicos tem que ser abertos, fechados apenas para quem não tiver seu diploma e registro profissional, ambos a serem conferidos, com seriedade, pelo Estado. Caso contrário, não podem ser considerados democráticos. Nesse sentido, o modelo brasileiro é bem melhor do que o francês. Apenas pecamos pela falta de uma lei que obrigue o nosso Estado a realizar concursos para todas as obras públicas, como na França, e a executar as obras do projeto vencedor, em seguida. Discordo também do limite de um terço de arquitetos no juri – uma vez que há uma responsabilidade técnica implícita na própria escolha, profissionais somente podem ser julgados por outros profissionais do ramo, o que não quer dizer que não possam ser ouvidos representantes de outras profissões e especialistas no processo de julgamento, especialmente na montagem do programa. Que, por sua vez, deve ser considerado uma base de referência, e não uma camisa de força, admitindo-se sempre a possibilidade de soluções alternativas e liberdade de interpretação, tanto pelos concorrentes, como pelo juri. Enfim, mais “liberté, egalité, fraternité”…..
Muito bom Fabiano,
Divulgar tais informações, bons exemplos vindos de espaços construídos de forma saudável, podem nos guiar em futuras reivindicações; quero crer que de um futuro próximo.
Pois é… A Itália também tem lei federal regulamentando os tipos de concurso de arquitetura exigíveis. Interessante notar que na França se requer que 1/3 do júri seja formado por arquitetos — isso dá um embasamento técnico, mas ao mesmo tempo evita que o julgamento se faça na redoma de cristal da profissão, sem participação de outros agentes sociais. No Brasil o arquiteto tem uma tal desconfiança para com o leigo que freqüentemente se vê demandas para que os júris sejam 100% de arquitetos (e que todos os professores de um curso de arquitetura, inclusive os teóricos, sejam arquitetos, o que é ainda mais chauvinista).