Na edição de 4 de novembro de 2008, do jornal Folha de São Paulo, foi noticiado que os arquitetos suíços Herzog e De Meuron seriam contratados para elaborar o projeto arquitetônico do teatro da São Paulo Companhia de Dança. A escolha da dupla premiada internacionalmente teria sido feita por meio de uma concorrência informal.
Prontificamo-nos em divulgar a notícia por e-mail, e as respostas que recebemos dos colegas arquitetos poderiam ser sintetizadas nas reações dos irmãos Ruy e Ricardo Ohtake, veiculadas no mesmo jornal no dia seguinte. Alguns lamentavam não haver sido o projeto entregue algum grande arquiteto brasileiro de mesma envergadura que os europeus – e, sim, os há. Outros alegraram-se com a possibilidade de construção em nossas terras de obra de grandes estrelas internacionais. No primeiro caso, substitui-se uma atitude patrimonialista global por outra local. No segundo caso, o patrimonialismo estaria justificado pela qualidade da obra pregressa dos autores – ou por mera mentalidade colonizada.
Sabe-se que jornalistas costumam confundir e mesmo distorcer os fatos quando se trata de noticiar obras públicas. Como desconhecem os meandros legais, burocráticos e técnicos do assunto, confundem os termos, os dados, os locais, as pessoas e acabam colocando os declarantes em situação complicada. Em todo caso, a narrativa do processo de contratação dos arquitetos não poderia ser mais infeliz:
A dupla, autora do Estádio Olímpico de Pequim (mais conhecido como Ninho do Pássaro) e da Tate Modern, em Londres, desbancou outros três escritórios internacionais de arquitetura, numa concorrência informal que contou com o aval do governador José Serra e do secretário estadual de Cultura, João Sayad.
Aqui, a falta de dados complementares ao fato noticiado pode ser um indicador de uma falha da jornalista. Afinal, não se explica o que é a São Paulo Companhia de Dança, a sua natureza jurídica, sua história, a necessidade de um edifício próprio, a escolha do lugar. Trata-se, afinal, de uma instituição pública do Estado de São Paulo criada em janeiro de 2008, e sua sede será uma obra pública – submetendo-se aos princípios da Administração Pública, dentre os quais o da impessoalidade e o da isonomia. Não pode assim ser comparada a empreendimentos privados que vêm contratando com sucesso estrelas internacionais da arquitetura, como é o caso da Fundação Iberê Camargo – em Porto Alegre, projetada pelo português Álvaro Siza e que é provavelmente a obra mais relevante da década no Brasil. Entretanto, a atabalhoada justificativa do ex-ministro parece deixar pouca margem a dúvidas quanto à natureza pessoal das decisões após a concorrência informal:
Eles são autores de projetos singulares, são arquitetos que se embrenham no ambiente em que vão fazer o projeto, o que é fundamental neste teatro. O escritório deles se mostrou muito disponível e interessado nesta empreitada. Eles vão montar uma filial aqui em São Paulo com 20 profissionais.
Vejamos o que temos aqui: a lei de Licitações e Contratos, a famosa e controversa lei 8.666/93, estabelece que o procedimento licitatório é ato administrativo formal, o que significa nada mais que os procedimentos ali descritos não podem ser realizados de outro modo. Realizar concorrência informal, nesse sentido, seria um ato ilegal.
A licitação é inexigível, nos termos da lei – como bem lembraram os gestores públicos na matéria jornalística -, quando houver inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos […] de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização”.
Esse recurso legal – que fere claramente o princípio constitucional da impessoalidade e deverá ser extinto de nossa legislação tão logo haja jurispridência qualificada sobre o tema – vem sendo usado há bastante tempo em nosso país para justificar a contratação sem procedimento licitatório de nossos heróis nacionais – e mesmo estaduais e municipais. É a reserva de mercado patrimonialista dos arquitetos do rei, mantida tal como nos tempos da colônia. São eles e seus prepostos os que rebatem a contratação de Herzog e De Meuron com um súbito nacionalismo protecionista. Perguntamo-nos aqui se um erro justifica o outro. Afinal, as naturezas singulares a que se referem João Sayad e a legislação são as mesmas? Até onde sabemos, todo ser humano possui suas singularidades, e todo bom arquiteto se embrenha no ambiente em que vai fazer seu projeto. Onde estaria o diferencial da dupla suíça, que tornaria inexigível a concorrência? Até o presente momento, essa explicação não foi dada.
Cabe lembrar, entretanto, que a mesma lei que garante a licitação e a torna inexigível em alguns casos também recomenda que os contratos de projetos arquitetônicos deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração. O concurso – modalidade de licitação prevista na lei – é a análise de mérito da obra, e não de seu autor. É o processo justo e republicano para a contratação de projetos de arquitetura pelo poder público – sobretudo os de grande envergadura.
Frente às alternativas patrimonialistas e personalistas apresentadas até agora – protecionistas ou não -, não cabe outra recomendação aqui: o concurso internacional de arquitetura é a alternativa que melhor atende aos anseios legais e culturais dos brasileiros. Somente através de um concurso internacional se garantiria a contratação dos melhores profissionais do mundo – como querem os gestores públicos – com a legitimidade, transparência e legalidade que uma obra pública desse vulto exige. Somente assim nos livraremos desse arcaísmo nacional em que consiste a contratação de empresas de arquitetura sem licitação. E pelo concurso todo cidadão deve se mobilizar. Não apenas para dar à Companhia de Dança uma boa sede, mas para ajudar a constituir uma nova tradição no Brasil, que vá além tanto da mesquinhez da xenofobia quanto da submissão, e que de fato se equipare com o que há de melhor no mundo.
Caros Ferolla e Joel,
Obrigado pela resposta.
Concordo com você sobre a necessidade de ações pragmáticas rumo à melhoria dos concursos no Brasil.
Vejamos os fatos apontados:
1 – O legislativo ou o executivo precisam propor uma lei que exclua serviços de Arquitetura e Urbanismo da cláusula de notório saber – à semelhança do ocorrido com os serviços de propaganda e publicidade. É preciso que seja um projeto de lei (PL).
2 – O Fabiano vem fazendo um bom apanhado de legislação e procedimentos de outros países na seção “Panorama”. Acho que temos muito a aprender com a experiência estrangeira. Acredito que uma mudança nos procedimentos de contratação de projetos pela Administração Pública vem de mãos dadas com uma regulamentação mais estrita da atividade do arquiteto no país. Um concurso de um prédio de 5.000 metros quadrados (Ver Museu Exploratório da Unicamp) não tem porque ser internacional. Do mesmo modo, arquitetos inexperientes e sem infra-estrutura de desenvolvimento de projetos não poderiam vencer um concurso para um edifício de 60.000m2 – pelo simples fato de que não conseguirão desenvolver o projeto, ou vão fazê-lo em maior prazo ou com mais erros. É preciso que haja concursos com complexidade de processual compatível com a complexidade e a escala do empreendimento pretendido. Assim , seria possível realizar dezenas de pequenos concursos simplificados para edifícios de menor escala (centros comunitários, postos de saúde, delegacias de polícia etc), e poucos concursos complexos para grandes museus, monumentos e sedes administrativas. Podemos desenvolver melhor esta idéia mais adiante.
3 – Continuo acreditando nos concursos sim. Discordo veementemente daqueles que optam por defender as contratações por “notório saber”, já que os concursos vêm sendo ‘pouco efetivos” na escolha da “proposta mais vantajosa pela administração – para usar os termos da lei. Gostaria ainda de acrescentar que não acho que o IAB deva ser a única instituição a organizar concursos no país por ser a mais tradicional, mas por ser a melhor, a mais competente. Para isso, é necessário criar instrumentos normativos e administrativos que assegurem a permanência da “expertise” do IAB para além do Corpo de Jurados – cuja lista nunca achei online – mas essa é uma outra discussão…. Para isso, os conceitos do que representa um bom resultado de concurso devem ser alterados. Um bom resultado é a melhor solução para a Administração e para a cidade, e não o projeto que mais se parece ao que se publica em revistas internacionais de arquitetura – interessadas que estão em promover seus Pritzker e em perpetuar os instrumentos de dominação cultural e agora econômica de seus países de origem. Mas essa também pode ser uma outra discussão… (a este respeito, recomendo o texto que Ferolla publicou em nossa revista: “Globo alisado ou globo azulado?”: http://mdc.arq.br/2009/01/12/globo-alisado-ou-globo-azulado/
Prezado Danilo,
Infelizmente, parece que v. também foi vítima da sua própria assertiva de que não vale a pena perder tempo manifestando opiniões em fóruns como esse?
Concordo apenas parcialmente. Raramente me proponho a isso.
Entretanto, relendo as diversas contribuições de colegas nesse espaço, incluindo as suas e minha primeira postagem, atrevo-me a destacar alguns pontos que acredito serem motivadores para algum tipo mais pragmático de reflexão.
Fato 1 – A legislação vigente permite sim e legitima a contratação por notório saber (inclusive a de muitos de nossos ilustres e destacados colegas ). Ela deveria ser aperfeiçoada, mudada, eliminada? Como e quem deveria conduzir e viabilizar isso?
Fato 2 – Normas e procedimentos para concursos públicos de arquitetura no Brasil precisam ser aperfeiçoados. Existem várias sugestões sérias disponibilizadas neste mesmo portal , pesquisas acadêmicas, relatórios de grupos temáticos (incluindo os independentes e o oficialmente indicado pelo COSU/IAB).
Fato3- Iniciativas de nossos órgãos representativos (ie: IABs) que SE ANTECIPAM `a decisões do poder executivo têm sido bem sucedidas e viabilizado a realização de concursos públicos para a contratação de projetos de arquitetura. Na pesquisa que conclui em 2008, (cujo resumo está nesse portal) ficou demonstrado que , apesar de muitos pontos a aperfeiçoar, 80% dos concursos em Minas Gerais resultaram, PELO MENOS, na contratação DIGNA dos profissionais vencedores pela tabela de honorários do IAB.
Quanto aos concursos públicos de arquitetura, faço parte daqueles que particularmente os defendem, discutem, acreditam, praticam na ação profissional e os incluem nos planos de ensino das disciplinas que atuam.
Tomara que v. continue a acreditar?
“…I HAD A DREAM…”
É, Matoso, chegamos neste triste ponto.
Ninguém quer saber mais de ler, nem de refletir, o que anda valendo de modo geral é simplesmente babar no trombone, quem sabe para assim ou ter os seus 15 minutos de fama, ou (aqui é de graça!) extravasar as respectivas frustrações.
É o simples escrever por escrever, sem qualquer contribuição.
A única conclusão plausível é que o analfomegabestismo nacional está cada vez mais somatopsicopneumático.
Nada mais importa, nem mesmo mesmo que as consequências possam ser as mais “desastrozas” (sic).
A única verdade é que 27 de dezembro caiu mesmo num sábado.
Acredito que a questão abordada é irrelevante, uma vez que é legítimo se contratar profissionais por notório saber. Isso porque este direito é dado ao representante do nosso poder público a partir do nosso voto, e ao meu ver, o governador, e demais políticos, foram eleitos pela maioria da população em questão de forma democrática e portanto gozam de tal direito. Até porque a outra opção dáda, os concursos, nem sempre são garantia de bons projetos, sendo alguns inclusive responsáveis pela produção de arquiteturas desastrozas. E como ja foi citado anteriormente, a escolha de um escritório estrangeiro foi baseada no fato de que não há hoje no Brasil um escritório de arquitetura com capacidade de realizar o projeto da Sede da São Paulo Companhia de Dança nos padrões desejados pelo cliente. Portanto, acho muito mais relevante discutir as vantagens e desvantagens de termos um projeto com essa qualidade no Brasil, do que ficarmos tentando achar um meio de questionar a legitimidade da obra.
Eu tenho um sonho sobre os fóruns de discussão na internet. Sonho com o dia em que as pessoas de fato lerão as idéias das demais e dialogarão com elas a partir dos temas propostos.
Infelizmente, quando o debate está acirrado, o comum é o monólogo: as pessoas entram no debate e dão sua opinião, seja ela qual for – mesmo que ela já tenha sido discutida e a conversa esteja em outro patamar.
Caros colegas: não é nada disso. Não se trata aqui de corporativismo ou de nacionalismo – embora algumas pessoas certamente defendam estes pontos de vista. Este assunto não está em pauta. Está em pauta, isso sim, a contratação de projetos de arquitetura pela Administração sem procedimentos licitatórios – nos quais os concursos se inserem.
Eu inclusive mencionei a Fundação Iberê Camargo no texto original – que pelo visto não foi lido, ao contrário do afirmado. Mencionei também que a manifestação deveria ser a mesma caso o projeto fosse contratado sem licitação ou concurso com qualquer escritório brasileiro. Parece que nada disso foi lido por muitos dos que vêm postando comentários, pois a cantilena segue a mesma do dia em que a notícia foi publicada, e o debate não avança.
Escrevo essas linhas, mas sei que são em vão. Provavelmente ninguém vai ler. E todos continuarão entrando não para dialogar, mas para postar publicamente sua opinião pré-concebida. Boa sorte!
Eu lendo tudo isso tenho pouco a dizer. A verdade é que os arquitetos buscam alguma forma de impedir , ou de mostrar que não é certo arquitetos estrangeiros construirem aqui. Puro bairrismo, já conhecido de tempos. Já que não tem ninguém competente o suficiente pra fazer, São Paulo deu um jeito de achar quem faça.E faça bem feito. Essa é a verdade. Ao contrário de virar o nariz, deveriamos apoiar esse tipo de obra que começa a aparecer no Brasil. Ja viraram o nariz para a Fundação Iberê Camargo, de Siza. E é inegavel que hoje o projeto é um dos mais importantes da década. Chega de hipocrisia. Nossa arquitetura vem falida há tempos e ninguém faz nada, a não ser dificultar a vinda de bons exemplares de arquitetura para o Brasil. Ainda bem que nos anos 20 quando Le Corbusier apareceu aqui ninguem inventou desculpa pra impedir ele de fazer alguma coisa. Graças a ele, nossa arquitetura moderna teve chance de evoluir com Oscar. Agora no entanto, ficamos nós brincando de reinventar o moderno.Boa sorte!
Salve Danilo,
Como eu disse na minha primeira intervenção, estou de pleno acordo com você. Acho até que nem tem o que discutir, se nós estamos no nosso direito, embargamos e pronto. Mas preciso deixar bem claro minha posição para não ficar dúvidas: discordo de você apenas em um ponto, eu acredito sim na singularidade artística de alguns arquitetos e na possibilidade de contratação por inexigibilidade. Se os concursos no Brasil não têm produzido todo o resultado esperado e sejam ainda alvos de muitas críticas e precisam de aperfeiçoamento, o mesmo vale para toda a lei 8666, os padrões de inexigibilidade (que poderiam ser aprovados pelo IAB segundo critérios específicos, locais e contingentes por juntas especiais em situações especiais), as regras de menor e “melhor” preço e licitações de um mercado que pouco interessa aos arquitetos… Não é o caso, por exemplo, de uma flexibilização positiva da lei? Quantas vezes o serviço público é obrigado a contratar escritórios pacoteiros nem um pouco comprometidos com a “qualidade” social e arquitetônica, ou ainda, usar o próprio quadro (nem sempre preparado ou amparado) para a elaboração e condução de projetos públicos. São tantas escolas, postos de saúde, praçinhas e por aí vai. Tudo isso não é objeto de concursos de idéias e está amparado na lei. Basearmos a discussão sobre princípios “legais” é restringir justamente as possibilidades de atuação. Estou sendo generalista apenas para tocar no assunto que é: o certo e o errado podem e devem mudar. E são muitas as deformações quando o assunto é competência. Os princípios constitucionais da legalidade, da isonomia e da impessoalidade favorecem, na prática, muita trambicagem. E se dependermos só da iniciativa privada para a construção de grandes obras (mesmo as pequenas), arquitetonicamente e socialmente entendidas, estamos fritos. Por isso, apesar do mal-jeito, louvo a “boa” intenção dos agentes públicos no caso da Companhia de Dança. Agora é corrigir.
Me parece que todo esse movimento em torno dos concursos públicos está calcado, no fundo no fundo, por uma ideologia da “boa” plástica arquitetônica e exposição publicitária, prova disso é o caráter descaradamente bairrista de algumas competições (se me entende) e o fato de arquitetos compactuarem com o sistema de promoção e auto-promoção em que se transformaram os concursos. Se a preocupação for a construção de “belos” edifícios, então não há pq se preocupar com a contratação de um escritório de reconhecimento internacional. Se a preocupação for uma cidade melhor, então devemos inserir o assunto concursos em um contexto mais amplo. Como bem disse você, “esses parâmetros multiplicam-se em critérios endógenos ao campo e geram descompassos entre o socialmente significativo e o profissionalmente significativo”. Seu texto é impecável e indiscutível, e tenho absoluta consciência da fragilidade do meu discurso. É que no rame-rame do dia a dia a gente vê cada coisa…
Sobre o andar da carruagem
Toda profissão define parâmetros de valoração internos ao campo específico. Às vezes, esses parâmetros multiplicam-se em critérios endógenos ao campo e geram descompassos entre o socialmente significativo e o profissionalmente significativo.
Acredito que o campo profissional da arquitetura vem padecendo desse mal, e grande parte dos expoentes gerados dentro desse sistema simbólico autônomo não tem correspondido ao que a sociedade espera deles.
Um bom exemplo disso é a reconstrução do World Trade Center por Daniel Libeskind. O arquiteto é certamente um dos grandes nomes do campo arquitetônico contemporâneo. Entretanto, o profissional simplesmente não foi capaz de realizar o edifício de que a cidade necessitava. O projeto – inviável em diversos sentidos – acabou por imobilizar a ação de construção. E os novaiorquinos até hoje não têm a solução de seu problema encaminhada. Há diversas outras anedotas nesse sentido, e elas invalidam mesmo o resultado de diversos concursos públicos de arquitetura.
O ponto que quero ressaltar aqui é que os arquitetos não vêm sendo capazes de avaliar sua própria produção de maneira objetiva e socialmente aceita.
No caso da administração pública, qualquer critério de juízo de valor que balize a escolha da “proposta mais vantajosa” para a população, deve passar pelos processos de maior transparência e consenso possíveis.
Sei, como já disse, que mesmo alguns concursos têm gerado resultados discutíveis nesse sentido, mas pelo menos há discussão, há crítica, há debate. E não é o fato de havermos realizado concursos ruins que invalida o sistema dos concursos. E aos poucos – espera-se – avançamos rumo a valores mais universais, mas relevantes para todos, mais reais para a nossa sociedade.
No caso da contratação por “notório saber”, ou “notória especialização”, ocorre vício de origem, a meu ver: avalia-se o profissional, e não o objeto. Discutem-se currículos, e não propostas para a solução específica. Convenhamos que é uma contratação “de risco”: o arquiteto, por melhor que seja, pode não oferecer uma boa solução.
Um segundo vício do “notório saber” é o fato de que a decisão pela contratação – o próprio juízo de valor a respeito da coisa em si – é tomada a portas fechadas e sem critérios objetivos transparentes para a sociedade.
Dessa discussão toda que vem ocorrendo em torno desse tema da São Paulo Companhia de Dança, o que mais vem surpreendendo é o desconhecimento dos arquitetos de seus direitos, das demandas sociais, dos valores de cidadania que estão em jogo aqui. Parece haver um consenso perverso entre os arquitetos de que é preferível um processo de contratação irregular com um “bom resultado final”, que um processo transparente com um resultado discutível – entre os arquitetos. Não se dão conta, nossos colegas, de que o juízo de valor acerca da qualidade da obra final é simplesmente subjetivo. Afinal, nem sempre as “grandes obras” dentre os arquitetos são as obras relevantes para as cidades. Há diversos exemplos nesse sentido que não precisam ser enumerados. Entretanto, o que é bastante objetivo é que a Administração Pública segue o princípios constitucionais da legalidade, da isonomia e da impessoalidade. Esse é nosso contrato social, quer queiram os arquitetos ou não. Não podemos ignorar esses princípios fundadores em prol de vaidades individuais ou da realização do desejo de uma corporação isolada. Isso seria alienação, falta de cidadania e patrimonialismo. Essa questão é anterior e socialmente muito mais relevante que qualquer juízo de valor acerca do objeto resultante da contratação.
O que venho suspeitando é que infelizmente grande parte de nossos colegas apóia a cláusula do “notório saber” desqualificando os concursos, ou bem porque já se beneficia dela hoje ou bem porque espera fazê-lo no futuro. E tem sido triste isso: observar as manifestações de nossos colegas e mestres em defesa de seu interesse pessoal único e exclusivo, em detrimento do interesse público maior.
salve Danilo, não vou entrar no mérito da questão, concursos públicos, onde estou de acordo com você, quero apenas tratar da oportunidade de construirmos em terras nacionais obras de arquitetos reconhecidamente “fodas”, desculpe a expressão, mas poderia até existir esse item de qualificação (desculpe a brincadeira). E aproveitando para falar de Niemeyer, não é preciso repetir como suas obras requalificam em todos os sentidos os lugares que atua, vide Niteroi, alguém mais seria capaz do que ele faz? Eu estou querendo apenas falar de outra coisa, de como às vezes certos projetos mudam a cultura arquitetônica da cidade, mobilizam a opinião pública, mesmo que para o protesto, mas ampliam o debate para além dos arquitetos. Esse foi o grande mérito do pós-modernistas mineiros, que, com a Rainha da Sucata em plena Praça da Liberdade (menina dos olhos do patrimônio) colocou a arquitetura na boca do povo. Isso inevitavelmente afeta aqueles que têm poder construtivo. Talvez Herzog não seja tão popular assim entre arquitetos, será que alguém teria dúvida em convidar Renzo Piano? Já sei, para ninguém ficar ofendido, os órgãos públicos poderiam criar um concurso entre arquitetos do tipo: “escolha quem você quer que construa na sua cidade: Renzo Piano, Zaha Hadid ou Tadao Ando”, ficariam todos satisfeitos e evitaríamos assim pontes como a de Brasília. Estamos cercados dessas escolhas, veja o orçamento participativo em BH, virou gincana, cada região mobilizada (e nisso a zona sul está em vantagem) para eleger sua obra entre outras cinco, o problema é que cada obra é fundamental para o funcionamento da cidade, então, como assim escolher qual obra, precisamos de todas. Passaram para o povo, como num concurso de tv, a responsabilidade (leia-se abacaxi) da escolha. Se a decisão então for contratar estrelas internacionais, pq não passar o abacaxi aos arquitetos, os mais afetados? Não me entendam mal, não estou aqui para zombar de ninguém, queria apenas colorir o debate…
Discordo do colega Campolina,quando usa a expressão “corporativismo tupimiquim”.
A contratação de profissionais do exterior seria normal e aceitável se os nossos arquitetos fossem remunerados e respeitados como os colegas estrangeiros.
E por que nunca se discute a contratação sem concurso dos “n” projetos públicos do nosso nobre colega Oscar Niemeyer? Isso não é um enorme privilégio?Com todo respeito e admiração que ELE merece, qual a razão dessa eterna reserva de mercado?
Abraço a todos.
Certamente, compartilho do entendimento de que, nesse caso, em se tratando uma obra de impacto e do dinheiro público, um concurso internacional seria a opção mais adequada e politicamente inteligente sob todos os aspectos.
Entretanto, corporativismos tupiniquins , complexos de inferioridade e reserva de mercados, talvez sejam igualmente equivocados.
Muitos de nossos grandes arquitetos são convidados e realizam trabalhos no exterior. Segundo consta, a contratação dos renomados arquitetos Jacques Herzog e Pierre de Meuron para elaborar o projeto da sede da recém criada São Paulo Companhia de Dança, resultou de um longo e conhecido processo de consulta a outros escritórios internacionais, portanto os IABDN e SP, outras associações ou colegas, poderiam ter antecipado suas manifestações em tempo mais hábil. Talvez , defendendo a alternativa do concurso ou pontuando a existência de profissionais e escritórios nacionais com credenciais suficientes para também serem consultados? Nossos orgãos representativos de classe sempre foram mais eficazes quando atuaram preventivamente, seja , procurando influir no estabelecimento de criterios para este tipo de concorrência ou defendendo a realização de concursos de arquitetura para obras públicas de grande impacto.
Caros Danilo e Igor, convém citar que no momento, estão sendo realizados concursos internacionais da mesma natureza, em países tão distantes quanto “em desenvolvimento”, inclusive com o sucesso das maiores firmas de arquitetura mundial entre os vencedores.
De cabeça, recordo-me agora de um recente para a biblioteca de Praga, vencido pelo Future Systems, e justo agora estamos participando de um concurso para a casa de cultura do Líbano, em Beirute.
caro danilo,
aproveito a oportunidade para parabenizá-lo pelas suas colocações. concordo em gênero, número e grau. fui contactado pela revista au para emitir opinião sobre a questão. transcrevo abaixo o texto que encaminhei para conhecimento dos colegas.
A contratação, por inexigibilidade, do escritório dos arquitetos Jacques Herzog e Pierre de Meuron para elaborar o projeto da sede da recém criada São Paulo Companhia de Dança desrespeita, ignora e desmerece a cultura arquitetônica do País. A estratégia cogitada carece de critério objetivo e está apoiada na lógica do privilégio, ferindo os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, estabelecidos no Artigo 37 da Constituição Federal. O único procedimento ético para a obra pretendida é a adoção, por parte dos governantes do estado de São Paulo, das orientações da União Internacional de Arquitetos – UIA, que sugerem Concursos Públicos Internacionais de Arquitetura para projetos dessa natureza.
Danilo, concordo plenamente com seus argumentos. O processo adotado para a contração da empresa de arquitetura que ficará responsável pela elaboração do projeto arquitetônico da São Paulo Companhia de Dança é, sob todos os aspectos apontados no seu artigo, absolutamente condenável.