por Fabiano Sobreira, arquiteto e urbanista

Ainda (e provavelmente por um bom tempo) questionado sobre a decisão de não realizar concurso para a escolha do projeto arquitetônico da Companhia de Dança do Estado de São Paulo, o secretário de cultura, João Sayad, declarou (em matéria publicada no portal PiniWeb em 25.11.2008):

“… a escolha do arquiteto deveria levar em conta sua capacidade de adaptação às exigências do programa para o teatro. Porque um teatro é uma obra significativa para o arquiteto e na maioria dos exemplos que a gente conhece o arquiteto acaba comprometendo essas características. (…)”.

João Sayad justificou a exclusão da idéia do concurso em virtude de uma suposta postura ditatorial dos arquitetos que, enquanto autores de projetos vencedores, “passam a ser donos das obras”:

“… nós queríamos que o dono da obra fossem os usuários do teatro. A negociação do projeto vencedor seria muito difícil, justamente porque ele ganhou. Mesmo que seja possível, o vencedor tem uma força muito ativa que podia fazer com que o teatro perdesse em favor do arquiteto. (…) Não foi uma escolha feita sem critério, a lei de licitação pública permite contratar um profissional notável”.

Ao que parece, a Administração do Estado de São Paulo – ou pelo menos a Secretaria de Cultura – descarta os concursos de projeto por que estes resultariam em projetos cujos arquitetos são inexperientes, inflexíveis e têm pouca capacidade de adaptação. Com os concursos, o interesse coletivo se perderia, em favor do interesse individual do arquiteto.

Se o administrador estiver correto, e se sua opinião for compartilhada pelos diversos gestores públicos que hoje definem o destino da Arquitetura Pública no país, chegaremos a uma conclusão preocupante: a Arquitetura como profissão está diante de uma crise, e precisa ser revista – com urgência. Afinal, o interesse coletivo da obra pública deve sempre estar acima dos interesses individuais e é inadmissível, de fato, contratar profissionais inflexíveis, inexperientes e sem capacidade de adaptação às demandas de um programa arquitetônico. Se esse é o perfil do arquiteto no país, então talvez o administrador esteja correto.

Mas resta uma dúvida: se os concursos trazem como resultado arquitetos autoritários e inflexíveis, o que podemos dizer dos próprios arquitetos Herzog & de Meuron, que em 1994 venceram – merecidamente – o concurso internacional para o projeto da Tate Modern, em Londres ? Os empreendedores poderiam ter contratado por notória especialização David Chipperfield, Rem Koolhaas, Renzo Piano ou Tadao Ando, que foram os outros finalistas naquele concurso. Não o fizeram, talvez porque o objetivo não era escolher o melhor arquiteto, mas a melhor arquitetura. E de fato, é o que se concretizou, por meio de um concurso internacional. Hoje, esse grande centro de arte contemporânea tornou-se um dos principais pontos de visitação turística da Europa e uma das referências da arquitetura contemporânea mundial. O mesmo aconteceu quando Renzo Piano e Richard Rogers venceram o Concurso para o Centro Georges Pompidou; Jørn Utzon – Ópera de Sidney; Snøhetta – Biblioteca de Alexandria; Rem Koolhaas – Casa da Música no Porto, entre outros…

Enfim, quais foram os critérios utilizados para decidir que Herzog & de Meuron seriam mais flexíveis, experientes e teriam mais conhecimento (notória especialização) do que Pelli Clarke, Norman Foster e OMA (Rem Koolhaas), que foram os outros profissionais descartados na “seleção preliminar” para a Companhia de Dança de São Paulo?

Uma coisa é certa: teria sido uma ótima oportunidade para a Arquitetura no Brasil, um excelente repertório de idéias e de arquitetura em potencial, com visibilidade internacional para o empreendimento e para a cidade: Rem Koolhaas, Renzo Piano, Tadao Ando, Zaha Hadid, Norman Foster, Herzog & de Meuron, Paulo Mendes da Rocha, entre outros… todos – notórios especialistas no que fazem – reunidos em um concursos internacional para decidir não o melhor arquiteto, mas a melhor Arquitetura. Teria sido…

Mas ao que parece, a Administração Pública não precisa de Arquitetura; precisa de arquitetos – mas que sejam flexíveis, experientes, que se adaptem facilmente ao contexto e ao programa e que, preferencialmente, sejam indicados por “notória especialização” – para que se possa justificar a falta de critérios ou de compromisso.