por Sérgio Magalhães (*)
O museu projetado pelo espanhol Santiago Calatrava irá ocupar área onde, há anos, o francês Jean Nouvel projetou o museu Guggenheim.
Intensa campanha contrária fez o então prefeito Cesar Maia desistir da ideia. Mas não de uma obra monumental: construiu a Cidade da Música, na Barra da Tijuca, de outra estrela da arquitetura mundial, Christian de Portzamparc. O polêmico Palácio da Dança, em São Paulo, é projetado pelos suíços Herzog & de Meuron.
O que ganham as cidades brasileiras com projetos de arquitetos estrangeiros?
Uma obra de alta qualidade arquitetônica é boa para a cidade e para a cultura. Um arquiteto famoso traz a probabilidade da boa obra, mas não é garantia.
O museu Iberê Camargo, em Porto Alegre, de autoria do português Siza Vieira, é atestado de altíssima qualidade de projeto e de construção. Não diria o mesmo da Cidade da Música. Parece que o arquiteto ficou sem interlocutor qualificado, o que levou ao exagero programático e projetual.
Nossos governos são clientes desatentos à arquitetura e pouco afetos à exigência da qualidade. Em geral, nossa sociedade não se aculturou na fruição do espaço arquitetônico.
É compreensível: a valorização do espaço é algo que se elabora no bojo do conhecimento. A arquitetura é uma complexa produção da cultura. As pessoas não nascem com a compreensão de seus valores.
O Brasil produz milhões de construções anuais. Os governos promovem milhares de edificações por ano. Poucas são aquelas em que se desejou um bom projeto.
Por que Calatrava, Nouvel, Portzamparc, Siza, Herzog, fazem obras tão qualificadoras? Porque são talentosos e em seus países se valoriza a cultura arquitetônica.
Com 200 milhões de habitantes, está na hora de o Brasil desejar um ambiente urbano qualificado. Cidades bem feitas, de bons edifícios -que não custam mais caro do que os feios e medíocres.
Concurso de projetos para as obras públicas é instrumento de melhora das cidades. Tendo a seleção pela qualidade, seremos mais aptos a apreciar uma boa obra de arquitetura, inclusive a de arquitetos famosos.
Nossas cidades serão valorizadas por milhares de obras assinadas pelo talento e competência dos milhares de arquitetos brasileiros, prontos a ajudar a tornar o Brasil ainda mais qualificado e bonito.
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(*) Arquiteto, Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, Presidente do IAB-RJ.
Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo, em 26/02/2010.
Estou de acordo com Sérgio no sentido de que o Brasil não parece perceber o potencial criativo e cultural que possui, nao somente em termos arquitetonicos, mas em quase toda atividade e manifestação cultural. Na ausência deste sentido de \’amor próprio\’ derivado da constante obsessão com tudo o que e importado, qualquer coisa vale. Tambem e valido dizer que num Pais onde muitos habitantes vivem nas ruas ou em barracos deploráveis, e fácil ver porque a ideia de uma arquitetura monumental valida, brasileira ou estrangeira, pode ser tão alienígena quanto um passeio espacial. Não acho que possamos simplesmente apreciar a arquitetura sem tambem apreciarmos a justiça social, a educação básica e tantas outras qualidades sócio economicas e culturais que existem nesses mesmos países de onde vem esses arquitetos. O que precisamos e uma visão coesiva, nacional, de quem somos como cidadãos e valorizar cada pessoa e cada metro quadrado deste Pais sem comparação a modelos estrangeiros de valor apenas superficial. É um ciclo vicioso que depende do produto criativo cultural do brasileiro para ilustrar este potencial, ao mesmo tempo em que precisamos completar este quebra cabeça incompleto que chamamos Brasil. A coisa e simples : comida- sapato-teto-casa-escola-bairro-cidade-arquitetura
Nessa ordem.
Concordo Felipe. Realmente, em inovação formal, tecnológica e espacial, temos visto quase nada aqui no Brasil. O modernismo vive e predomina na maior parte das arquitetura que teriam maior potencial inventivo.
Concordo, em parte, que chamar esses grandes nomes seja uma forma de se estimular o pensamento arquitetônico e até mesmo gerar uma cultura arquitetônica (que em boa parte do país é inexistente). Por mais que não sejam magnifícas, suas obras possuem uma linguagem diferenciada.
Para mim, 2 exemplos bons são os projetos de Renfor Diller + Scofidio, no MIS, e o Palácio da Dança. Por mais pós e contraste que possam haver, são dois projetos carregados de criatividade e síntese urbana; que tem nos faltado um tanto. E melhor: com bons exemplos, talvez a sociedade brasileira venha a conhecer e valorizar a atividade dos arquitetos.
Quando o Museu Ibere Camargo se torna comparavel ao que ja existe por aqui, provamos que o Brasil realmente esta perdido quanto a sua producao arquitetonica.
Acredito que SIM se pode aprender a “valorizar a cultura arquitetonica” com obras de arquitetos estrangeiros.
Mas primeiro é preciso valorizar (por parte dos politicos e instituiçoes) os “arquitetos brasileiros”, e nossa incansável luta por oportunidades nao só de construir projetos belos e funcionais, mas também de solucionar os infinitos problemas urbanos de nossas cidades.
Estimado Sergio Magalhães: gostaria “muito” de saber sua opinao sobre o projeto e o “critério de seleçao” para o Pavilhao do Brasil em Shangai? E se ñ sabe muito do assunto, aquí mesmo (https://concursosdeprojeto.org/2009/05/22/concurso-expo-xangai-2010-br/) pode ver o que “a gente” pensa.
Na minha opiniao, esses eventos (desde de sempre) revelam o nivel “cultural arquitetonico” atual de cada país.
Moro na Espanha e aqui o pavilhao ganhador é da italiana Benedetta Tagliabue, e además dentro “desse” estao construindo outros pavilhoes menores que representam algunas cidades espanholas. (Esse é o espaço publico do pavilhao de Madrid – http://ecosistemaurbano.org/ecosistema-urbano/ecosistema-urbano-colaborador-oficial-madrid-expo-shanghai-2010/).
Um abismo de oportunidades aonde ganha aquele que tem o melhor argumento e nao os melhores contatos.
prezado sérgio,
não tenho nada contra a presença de arquitetos estrangeiros no Brasil, desde que esta realmente contribua para o intercâmbio e consequente aprendizado. o que quero dizer com isso? que são bem vindos os bons arquitetos, não os que são apenas famosos (nos dias de hoje, a fama não acompanha uma qualidade superior).
de modo geral, os convites para que arquitetos estrangeiros projetem aqui são feitos por políticos e/ou pessoas que querem se beneficiar da exposição e do impacto que a futura obra terá. parte desse impacto depende do nome do arquiteto. daí os convites para os nouvel, calatrava, etc. se o objetivo é ter ganho imediato pela exposição na midia, é mais rendoso chamar koolhaas, hadid, gehry do que gente como jordi badia, carrilho da graça, e outros tão pouco conhecidos quanto eles, embora a arquitetura resultante seja muito pior.
quanto à fundação iberê camargo: um primor de construção, sim; de projeto, nem tanto (ver minha crítica em http://tinyurl.com/yghuyue).
resumindo: o problema não é quem projeta mas a qualidade do projeto importado. até agora não veio para cá nada que fosse melhor do que já fazemos por aqui.
um abraço.