por Fabiano Sobreira (*)

concursos-brasil

CONTRATAÇÃO PÚBLICA DE PROJETOS

No Brasil, a legislação federal (Lei 8666/1993) define que o concurso – como uma das modalidades de licitação (art. 22, IV) – é a forma preferencial para a contratação de projetos de arquitetura pela administração pública.

No entanto, a preferência sugerida na lei não se traduz em uma prática cotidiana. De acordo com a legislação e a prática vigentes, os projetos de arquitetura para obras públicas no Brasil podem ser executados ou contratados de diversas maneiras:

1. Elaboração de projetos pelas equipes de arquitetos e urbanistas que integram a Administração Pública (sejam servidores efetivos admitidos por meio de concurso público ou pessoal terceirizado);

2. Contratação por processo licitatório do tipo menor preço (não recomendado pela legislação para a contratação de projetos, mas eventualmente utilizado – sua utilização não é expressamente vedada);

3. Contratação por processo licitatório do tipo “melhor técnica” ou “técnica e preço” – utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos;

4. Contratação Direta, sem licitação, quando a contratação do projeto se enquadrar em alguma das situações previstas para dispensa de licitação (Art. 24 – Lei 8666/93);

5. Contratação Direta por Notória Especialização, “quando houver inviabilidade de competição” (Art. 25 – Lei 8666/93). Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato;

6. Contratação por Concurso – “os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração” (Art. 13).

NÚMERO DE CONCURSOS NO BRASIL

Como se pode observar, o Administrador Público dispõe de diversos artifícios legais para a contratação de projetos de arquitetura no Brasil. O Concurso, apesar da preferência expressa na lei, é apenas uma das formas de contratação. Talvez por isso o número de concursos nacionais de projeto a cada ano seja reduzido em relação a outros países.

De acordo com pesquisa realizada sobre o quadro recente dos concursos no Brasil, observou-se que entre 2000 e 2007 foram realizados 31 concursos nacionais de projeto (*), o que resulta em uma média de 4 concursos por ano. Não foram catalogados eventuais concursos fechados ou locais.

grafico-concursosbrasil-2000-20007

(*) Não se trata de número preciso, já que não existe – ainda – um catálogo oficial de concursos de projeto no Brasil. As informações apresentadas resultam de catalogação preliminar realizada a partir de diversas fontes: Portal Vitruvius – Seção Projeto Institucional, arquivos pessoais de arquitetos e páginas dos IABs.

REGULAMENTAÇÃO

Não existe uma regulamentação oficial dos concursos de projeto que deva ser seguida – obrigatoriamente – pelos promotores de concurso, em especial a Administração Pública. Portanto, se o gestor público decidir pelo concurso como opção de contratação, não encontrará instrumentos legais que orientem a execução do procedimento.

O Instituto de Arquitetos do Brasil – instituição associativa, não-governamental – tem historicamente coordenado a realização de concursos de projeto no Brasil e discutido a regulamentação e a política de concursos no país. As Normas de Concursos do IAB estabelecem os “elementos básicos norteadores dos Concursos, deixando para cada Edital e para as Bases dos Concursos os pormenores específicos a serem inseridos de acordo com as especificidades de cada concurso”.

O IAB, no entanto, não é a instituição que regulamenta e fiscaliza a profissão do arquiteto e urbanista. Tal regulamentação é atualmente responsabilidade dos Conselhos Regionais de Engenharia e Arquitetura, que não tratam da regulamentação dos concursos de projeto.

As informações a seguir são baseadas na referidas Normas de Concursos do IAB (2007), que devem ser seguidas sempre que o IAB for designado como “organizador” do concurso:

Sobre a promoção e a organização

O cliente (instituição pública ou privada que vai financiar o concurso e o empreendimento resultante do mesmo) é definido como “promotor”, enquanto o IAB é o “organizador” do concurso.

O Arquiteto Coordenador é o profissional indicado pelo IAB para “coordenar a elaboração do Edital, para acompanhar e tomar as providências necessárias para a boa realização do Concurso desde o início até a divulgação oficial do resultado, inclusive dirimir eventuais dúvidas”.

A Comissão Julgadora é a “comissão constituída para proceder à avaliação e ao julgamento, relatando em Ata os procedimentos de classificação e a indicação do trabalho vencedor do concurso.

O Arquiteto Coordenador e a Comissão Julgadora podem ser auxiliados por Consultores Técnicos que têm a função de “assessorar o Coordenador do Concurso na fase de organização do Edital ou durante o processo de julgamento, a convite da Comissão Julgadora, sem direito a voto. Os consultores podem também analisar detidamente os trabalhos e verificar o cumprimento dos critérios legais estabelecidos no Edital e nas Bases do Concurso.

Sobre a restrição de participação

De acordo com as referidas normas, todo concurso de projeto deve ser público e aberto a qualquer arquiteto e urbanista legamente habilitado. Não é permitido ao IAB organizar, referendar ou avalizar “Concursos Privados ou Restritos”, isto é, aqueles onde a participação de concorrentes seja exclusiva para profissionais convidados pelo Promotor ou mesmo pelo Organizador do Concurso.

Sobre as modalidades e o anonimato

Os concursos podem ser realizados em uma ou mais etapas: no “Concurso em uma etapa deverá ser assegurado obrigatoriamente o anonimato dos trabalhos concorrentes até que o resultado final emitido pela Comissão Julgadora seja formalmente divulgado pelo Organizador do Concurso. Quando se tratar de concurso em mais de uma etapa recomenda-se, sempre que possível, que se estabeleçam meios que possam garantir o anonimato.

Sobre o julgamento

O Edital do concurso deve obrigatoriamente definir os critérios de avaliação referenciais a serem utilizados pela Comissão Julgadora para efeito de julgamento dos trabalhos.

Os membros da comissão julgadora devem ser arquitetos e urbanistas, podendo haver indicações de arquitetos por parte do promotor desde que a maioria dos membros seja de indicação do IAB.

O IAB destaca ainda, em suas normas, que “a Comissão Julgadora é soberana em suas decisões desde que respeitadas as disposições do Edital e das Bases do Concurso. Não cabe, portanto, qualquer espécie de recurso ao IAB sobre o que foi decidido e registrado como relato na Ata de Julgamento”. As reuniões da comissão julgadora são secretas.

Ao primeiro classificado caberá, obrigatoriamente, a execução e desenvolvimento do trabalho apresentado.

POLÍTICA PÚBLICA

Não existe uma política pública nacional relacionada aos concursos.

Diante da ausência de procedimentos e políticas oficiais, o IAB aprovou, na reunião do seu Conselho Superior em maio de 2006 (124º COSU), o documento intitulado: Política Nacional de Concursos Públicos,  elaborado pela Comissão Nacional de Concursos Públicos do instituto, à época coordenada pelo IAB-RS.

O referido documento, pelo seu formato e conteúdo, é destinado aos arquitetos associados e trata, principalmente, dos procedimentos administrativos e das vantagens que o concurso oferece para a instituição e seus associados. Não se trata de um documento propositivo destinado à Administração Pública e outros potenciais promotores.

O concurso em duas etapas e a simplificação do produto a ser apresentado são recomendações do referido documento, que prevê também a possibilidade de concursos restritos e de concursos internacionais. Tais modalidades, no entanto – internacional e restrito – não são mencionadas nas Normas de 2007.

Não há informações públicas sobre atualizações recentes dos referidos documentos produzidos pelo IAB. Os documentos acima mencionados e disponibilizados foram obtidos originalmente na página da internet do IAB Nacional (em setembro/2008).

FORMATO DOS CONCURSOS

O formato dos concursos não é definido pelas Normas do IAB, que tratam apenas de recomendações gerais. O EDITAL e o REGULAMENTO de cada concurso, elaborados em cada caso específico pelo organizador (normalmente os Departamentos Estaduais do IAB) é que definem os detalhes de procedimento e o formato geral do concurso.

Como consequência da ausência de consenso quanto à formatação, cada concurso é concebido de acordo com a experiência e interesse do departamento organizador. A formatação e a complexidade dos produtos a serem apresentados pelos concorrentes, portanto, variam a cada concurso.

Os concursos mais comuns são aqueles realizados em 01 etapa, onde prevalece o anonimato até o julgamento final. Nesses casos a complexidade do projeto varia entre o Estudo Preliminar e o Anteprojeto.

Mais recentemente têm sido estimulados os concursos em 02 etapas, com a quebra do anonimato na fase final, que pode incluir defesas dos projetos. Nesses casos, são apresentados projetos em nível de Estudo Preliminar na fase 1 e Anteprojeto na fase 2. Os arquitetos que participam da fase 2 (finalistas) são remunerados.

Em princípio, a principal vantagem do concurso de 01 etapa é a manutenção do anonimato até o final. No entanto, para fundamentar o julgamento, há uma tendência de se exigir produtos complexos nessa modalidade, em geral o Anteprojeto, tornando mais onerosa a participação dos concorrentes (que não são remunerados).

As vantagens do concurso em duas etapas são: (1) participação menos onerosa dos concorrentes, já que os produtos a serem apresentados na etapa 1 podem ser mais simplificados; (2) processo de julgamento menos intenso e mais criterioso; (3) julgamento final baseado em um produto mais completo; (4) remuneração aos arquitetos, quando da elaboração do Anteprojeto. A principal desvantagem dessa modalidade, além do maior custo para a sua organização, é a quebra do anonimato na segunda fase (é dificil manter o anonimato após o anúncio dos finalistas da etapa 1).

Um exemplo de concurso realizado em 2 etapas é o Concurso para a sede do SEBRAE, em Brasîlia, organizado em 2007/2008 pelo IAB-DF.

_______________________________________________________________________________________

O objetivo da seção PANORAMA é apresentar uma síntese da política pública e da regulamentação relacionadas aos concursos de projeto em diversos países, assim como a indicação de links relevantes.  Os textos desta seção estão sujeitos a atualizações, portanto eventuais referências em publicações devem citar a data de consulta. Clique aqui para acessar o conteúdo já publicado nesta seção.

_______________________________________________________________________________________

(*) o autor é Arquiteto e Urbanista e Analista Legislativo da Câmara dos Deputados (Seção de Acessibilidade e Projetos Sustentáveis – Núcleo de Arquitetura)  e também professor e pesquisador no Dept. de Arquitetura e Urbanismo do UNICEUB, em Brasília.. O presente texto foi desenvolvido como parte da pesquisa de pós-doutorado desenvolvida no Laboratório de Estudos da Arquitetura Potencial (LEAP) –  École d’architecture de l’Université de Montréal (2008-2009).

______________________________________________________________________