HaroldoPinheiro

O portal concursosdeprojeto.org inaugura a seção entrevistas com o arquiteto Haroldo Pinheiro. Formado na FAU/UnB em 1980; vice-presidente do Conselho Internacional dos Arquitetos de Língua Portuguesa (2007/10), Conselheiro Vitalício do Conselho Superior do IAB (após 2002) e Titular do Conselho das Cidades / Ministério das Cidades (2005/07, 08/10); membro do Conselho da União Internacional dos Arquitetos (2002/05) e do Comitê Responsável pelo Relatório Brasileiro para a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – ONU / Istambul+5 (2000/01); Presidente Nacional do IAB (2000/02, 02/04). 

Haroldo Pinheiro foi presidente ou membro das comissões organizadoras de 15 premiações e concursos efetivamente realizados, um internacional (Celebração das Cidades – UIA), e foi organizador e coordenador do Concurso Nacional de Arquitetura para a sede do SEBRAE  em Brasília (2007) . Atuou como membro das comissões julgadoras de 12 concursos e premiações, dois deles internacionais – Jamaica (2002), a convite da UIA; Uruguai (2008), a convite da FPAA. Participou como concorrente em quatro concursos, sendo 1º classificado em dois (Sede Supra/Serpro-DF, 1983; Hospital Regional do Guará – DF, 1990) e 2º colocado (CREA-DF, 1996).


1. No Brasil, entre 2001 e 2007, foram realizados cerca de 30 concursos públicos nacionais de projetos de arquitetura. Uma média de pouco mais de 4 concursos por ano. Na França, como resultado de uma política pública iniciada nos anos 70, são realizados cerca de 1200 concursos de projeto por ano. Em diversos países da Europa todo projeto para obra pública deve – obrigatoriamente – ser objeto de contratação por concurso. Você vislumbra algo semelhante para o Brasil? Se for o caso, qual o caminho?

O Brasil participou da XX Conferência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, a qual deliberou recomendar a todos os países membros da ONU que adotassem o Concurso Público como procedimento para licitação dos projetos de Arquitetura e Urbanismo. A decisão tinha como objetivos principais a melhoria dos espaços urbanos e o desenvolvimento cultural e tecnológico – a democratização do acesso ao trabalho e a abertura aos jovens arquitetos seriam conseqüências positivas do cumprimento daquela recomendação.

À União Internacional dos Arquitetos – UIA, como entidade assessora da UNESCO, coube regulamentar os procedimentos. O IAB, seção brasileira da UIA, que já lutava pela realização de concursos desde a sua fundação em 1921, adequou o Regulamento UNESCO/UIA aos padrões jurídicos nacionais.

Diversos países adotaram a prática como política de Estado, com efeitos altamente positivos para cidades e patrimônios públicos, assim como para a formação técnica e ética de seus arquitetos.

O Brasil – embora tenha sido signatário daquela resolução da UNESCO e reiterado o compromisso em vários documentos oficiais – lamentavelmente, ainda não adotou o procedimento como regra. Ainda que a Lei Nº 8.666 cite o Concurso como modalidade adequada para licitação de projetos, não existe uma regulamentação oficial que oriente as administrações públicas a realizá-los – daí, as licitações de projetos continuam sendo tratadas majoritariamente como simples aquisição de materiais ou equipamentos: por menor preço ou, quando muito, por técnica e preço.

Em meu entendimento, assim como no de alguns colegas do Conselho Superior do IAB, o caminho mais eficiente para a universalização dos concursos no Brasil seria levar ao Governo Federal uma proposta de Decreto, regulamentando a execução de licitações para projetos de Arquitetura e Urbanismo pela modalidade Concurso, nos padrões definidos pelo Regulamento UNESCO/UIA e pelas Normas do IAB.

Só assim os poderes púbicos (Federal, estadual ou municipal) poderiam realizar todas as licitações de projetos através de concursos – dos mais simples (pequenos prédios, praças, mobiliário urbano) aos mais complexos (aeroportos, hospitais, estádios, urbanismo), como ocorre nos países citados e em muitos outros das Américas, da Ásia, da África.

2. Qual sua opinião sobre a contratação de arquitetos por Notória Especialização na Administração Pública?

Particularmente, não faço objeção – desde que os méritos do arquiteto contratado sejam realmente notórios. Por notoriedade, entendo a consagração através da premiação em vários concursos públicos e/ou do reconhecimento de sua atuação profissional pelas entidades nacionais e internacionais de arquitetos, tais como as comendas do IAB, da FPAA, da UIA, títulos honoris causa ou o Prêmio Pritzker, por exemplo.

A Arquitetura, como qualquer outra área do conhecimento, tem suas referências éticas, culturais, científicas, tecnológicas. Assim como são aceitas e justificadas as contratações diretas de juristas eméritos ou médicos consagrados para resolução de assuntos públicos, não há porque suspeitar da contratação de um arquiteto com qualidades efetivamente reconhecidas no caso da construção do patrimônio público.

3. Você participou de diversos concursos, tanto como organizador, quanto como membro da comissão julgadora. Na sua opinião, quais as principais limitações do concurso, enquanto procedimento de seleção de projetos e quais suas maiores vantagens?

Participei também como concorrente, subordinado aos regulamentos e observando criticamente as outras duas pontas do processo.

A licitação de um projeto de Arquitetura busca a solução de um problema a ser resolvido, daí porque não deve receber o mesmo tratamento oferecido à compra de automóveis ou de mobiliário, por exemplo – casos em que fornecedores diversos têm equipamentos prontos, com normas de fabricação rígidas, para comparar com os de outros concorrentes.

Explicando melhor: numa licitação de projeto por menor preço, um arquiteto é selecionado a partir da proposta comercial para, depois de contratado, apresentar o objeto solicitado (anteprojeto, projeto para aprovação, projeto executivo). Só então, o contratante poderá aferir a qualidade do produto adquirido.

Na licitação por Concurso, a principal vantagem (para o cliente) é dispor de propostas técnicas em condições de serem avaliadas e cotejadas a partir dos critérios pré-estabelecidos. Daí, após verificar qual atende melhor aos objetivos pretendidos, contrata o profissional com segurança – sabendo o que está contratando.

Quanto às limitações, penso que a principal é a falta do contato direto entre o arquiteto e o cliente na fase preliminar do projeto. Nos concursos, a relação cliente-profissional é suprida pelo coordenador, que é o único que dialoga com todas as partes envolvidas – cliente, concorrentes e comissão julgadora. Se o coordenador não tiver experiência e habilidade para exercer também este papel, a probabilidade do concurso ter um resultado justo se reduz.

4. Os críticos ao procedimento do concurso destacam que se trata de uma exploração do trabalho do arquiteto (que desenvolve projetos sem remuneração), que aumenta as despesas com o projeto de um empreendimento e que os resultados não são sempre satisfatórios. Qual sua opinião a respeito?

Somos arquitetos, nossa linguagem é o desenho. Não vislumbro maneira mais honesta para a avaliação de uma proposta arquitetônica que não seja a apresentação de plantas, cortes, perspectivas e croquis que demonstrem os aspectos diversos de uma idéia para a edificação ou o espaço urbano. Naturalmente, se o trabalho solicitado extrapola a fase do Estudo Preliminar, aí sim, precisa ser remunerado – conforme recomendam os regulamentos da UNESCO/UIA e do IAB para concursos em duas fases.

Sobre a segunda crítica, entendo que qualquer procedimento licitatório envolve despesas. Quanto menos seguro for o procedimento, menor a despesa com o processo. Concursos oferecem maior segurança – pois o contratante vê o produto antes de contratar o arquiteto. Por outro lado, despesas com concursos bem organizados vão pouco além das necessariamente realizadas para custear outros processos de licitação.

Por fim, resultados insatisfatórios podem ocorrer, é fato: do concorrente, quando discorda do entendimento do Júri; do contratante, quando não se sente atendido pelo trabalho selecionado no processo licitatório; e mesmo do organizador, quando se frustra ao constatar que não há trabalho com qualidade destacada entre os concorrentes.

Para aperfeiçoar o processo e evitar repetição de erros, organizadores de concursos devem – sempre – realizar pesquisas pós-concursos, a fim de verificar a satisfação dos concorrentes, das comissões julgadoras e dos clientes.

5. Você foi o responsável pela organização do concurso do SEBRAE-DF, realizado em 2007, um concurso que é muito elogiado pelo seu formato, pelos procedimentos de julgamento e cujo resultado não foi criticado. Em resumo, um concurso que deu certo. A que você atribui o sucesso desse concurso?

Entre 2005 e 2007, o IAB/DF, com apoio de colegas professores da FAU/UnB e “concurseiros” em geral, realizou vários ciclos de discussão sobre a qualidade dos concursos recentes. Gravamos testemunhos diversos de concorrentes, organizadores, coordenadores e jurados. Tabulamos as críticas e verificamos que praticamente todas derivavam do descumprimento de itens dos regulamentos da UNESCO/UIA e do próprio IAB.

Logo após, por coincidência, o SEBRAE me procurou para assessorá-lo no processo de construção de sua sede nacional – desde a localização e aquisição do terreno até a licitação da obra.

No momento de contratar o projeto, redigi uma nota técnica demonstrando os prós e os contras dos procedimentos possíveis: menor preço; técnica e preço; concurso público; contratação direta (notória especialização, inexigibilidade de licitação) e os dirigentes do SEBRAE se convenceram das vantagens do concurso público.

Levamos a minuta do processo ao IAB/DF e fomos convidados (Carlos Weidle e eu) para a condução do Concurso. Na coordenação, observamos com rigor os regulamentos de concursos – especialmente no que tocava às críticas acumuladas – e submetemos o Edital à Direção Nacional do IAB, como recomenda seu Estatuto.

Após a divulgação do resultado da 1ª Etapa do Concurso, encaminhamos questionários de avaliação aos concorrentes, resultando em mais de 98% de aprovação (bom e ótimo). Jurados e cliente também aprovaram o certame, sem ressalvas.

Em nosso entendimento, o bom resultado deveu-se ao cumprimento das normas para concursos e à necessária atenção prestada ao cliente, aos concorrentes e ao Júri.

6. Que outros concursos você destaca pelo sucesso da realização, e que aspectos você destaca em cada um deles?

Há inúmeros realizados pelo IAB – desde, por exemplo, os pavilhões do Brasil nas exposições internacionais de Nova York, 1939 (Lucio Costa, com Oscar Niemeyer), de Bruxelas, 1958 (Sérgio Benardes) e o de Osaka, 1970 (Paulo Mendes da Rocha, com Ruy Ohtake, Júlio Katinski, Flávio Motta e Jorge Caron), que tão bem representaram o estágio cultural e tecnológico do Brasil naqueles diferentes momentos. E outros, cujos resultados ressaltaram o talento de tantos arquitetos e permanecem em destaque pela qualidade das obras, tais como: o Aeroporto Santos Dumont (M. M. Roberto), o Estádio do Maracanã (Pedro Paulo Bastos), o Monumento aos Mortos na 2ª Guerra Mundial (Marcos Konder e Hélio Uchoa), a sede da Petrobrás (J. Sanchotene, Luiz Fortes e R. Gandolfi) e os diversos concursos Favela-Bairro, todos no RJ; o Teatro Castro Alves na Bahia (Bina Fonyat); o Palácio da Justiça no RS (Carlos Fayet); a Urbanização do Vale do Anhangabaú em SP (Jorge Wilhelm) – vários destes tombados como patrimônio cultural a ser preservado.

Concursos realizados diretamente por instituições públicas ou privadas também se revelaram exitosos, tais como o de Brasília, 1957 (organizado pela NOVACAP, com participação do IAB na Comissão Julgadora), que consagrou definitivamente Lucio Costa; ou o do Cristo Redentor, na década de 1920 (realizado pela Igreja Católica), vencido pelo arquiteto Heitor da Silva Costa. Brasília foi tombada como patrimônio da humanidade e o Cristo é uma das “novas sete maravilhas do mundo”.

Mesmo concursos fechados, com concorrentes pré-selecionados, têm obtido resultados de qualidade incontestável, tais como o Conjunto Camargo Correa em Brasília (Lelé) ou a Sede da ONU em Nova York (Oscar Niemeyer, com participação de Le Corbusier).

7. Você tem algum exemplo de concurso que não deu certo? Por que?

Vou citar dois, dos quais participei:

– O Concurso Nacional para o Hospital Regional do Guará, no qual fui concorrente. Não foi edificado porque o segundo classificado (um arquiteto de SP, já falecido) se insurgiu contra o resultado e impetrou sucessivos recursos. Perdeu todos, mas quando o concurso foi definitivamente homologado, o DF já tinha novo governador e este entendeu que o Hospital não era obra prioritária.

– O Concurso para um Edifício Patrimonial do CONFEA, um dos que realizei como presidente do IAB/DF. O resultado foi homologado pelo CONFEA, então presidido por Henrique Luduvice, o projeto foi aprovado, o detalhamento realizado no tempo certo e pago corretamente. Entretanto, depois de concluído o mandato de Luduvice, o CONFEA decidiu nomear uma equipe com o estranho objetivo de avaliar a decisão da Comissão Julgadora. A nova comissão, formada por arquitetos conselheiros federais, recomendou e o Conselho Federal deliberou por desconsiderar o resultado e contratar o segundo colocado – mesmo dispondo do projeto vencedor, pronto e pago. A obra foi iniciada e, até onde sei, está sub-júdice.

Nos dois casos, coincidem os motivos: falhas éticas, desrespeito às regras previamente estabelecidas e descontinuidade administrativa.

8. Um dos aspectos mais criticados na história dos concursos (tanto no Brasil quanto no contexto internacional) é a questão do julgamento (subjetividade dos critérios de julgamento, seleção pouco criteriosa dos membros das comissões julgadoras, desobediência do júri ao proposto no edital…). São diversos os concursos que são criticados sobre esse aspecto. Como você avalia os procedimentos de julgamento dos concursos realizados no Brasil?

Sobre a subjetividade, entendo o seguinte: critérios de julgamento precisam ser transparentes, objetivos e publicados detalhadamente nos editais. Podem surgir análises subjetivas, a depender da formação de um ou outro membro do júri, mas devem ser minimizadas pelo trabalho conjunto do corpo de jurados, assim como pela ação responsável da coordenação do concurso.

Sobre os critérios de escolha das comissões julgadoras: é esperado que estas sejam formadas por colegas respeitados na comunidade profissional – tanto pela qualificação técnica e cultural de cada um, quanto por sua conduta ética – e deve ser publicado um pequeno currículo que justifique sua presença como juiz no tema do concurso. Os colegas concorrentes têm o direito de saber, já no edital, quem irá avaliar sua proposta.

Sobre a obediência aos editais: cada membro de comissão julgadora deve avaliar o edital do concurso que irá julgar e aprová-lo antes de sua publicação – alterar regras ou critérios durante o processo de julgamento é motivo para anulação da licitação. A UIA, através de sua Comissão de Concursos, aprova previamente os editais dos concursos internacionais e indica ao menos um membro da comissão julgadora, que tem a tarefa adicional de fiscalizar o cumprimento dos regulamentos gerais (UNESCO/UIA) e do edital específico. O IAB/Nacional poderia cumprir o mesmo procedimento, postura que traria mais segurança para concorrentes, jurados e clientes, assim como maior credibilidade para os concursos que organiza.

Toda comissão julgadora tem a nobre tarefa de emitir um parecer fundamentado sobre o assunto para a qual foi convidada e contratada. É um trabalho técnico, remunerado, com todas as prerrogativas e responsabilidades que envolvem qualquer comissão de licitação, e deve ser cumprido nos limites estabelecidos pelo edital – os mesmos aos quais se subordinam os colegas concorrentes.

9. Um outro aspecto criticado em alguns concursos é o formato exigido para apresentação dos trabalhos (número excessivo de pranchas, alto nível de detalhamento exigido para as propostas), principalmente considerando que são trabalhos não remunerados. Essas críticas têm fundamento?

Sim. Observamos que, talvez por inexperiência ou excesso de zelo, alguns colegas organizadores ou coordenadores fazem exigências exageradas – daí, a crítica à “exploração do trabalho do arquiteto” citada em pergunta anterior.

Um exemplo: arquitetos brasileiros que participaram do concurso para o Centro Georges Pompidou, em Paris, 1971-72 (R. Rogers e R. Piano), lembram que a apresentação da 1ª fase foi definida em pranchas tamanho A-4. Foi considerado um bom concurso, com resultado instigante.

O regulamento UNESCO/UIA determina que “nos concursos em uma fase, os concorrentes devem apresentar desenhos em pequena escala, seções e elevações, etc., em número suficiente para explicar o projeto”. Concursos para temas complexos devem ser realizados em duas fases: a primeira, consistindo na mesma abordagem geral dos concursos de uma fase (estudo preliminar); a segunda, com o aprofundamento de uma parte ou do conjunto (anteprojeto), necessariamente remunerada. Adiante, recomenda: “O número de documentos (planos, etc.) exigidos dos concorrentes deverá ser o mínimo necessário para que o júri possa entender e avaliar os projetos apresentados. O excesso de especificações poderá mascarar o julgamento, uma vez que fará com que a análise se concentre em detalhes, em detrimento da qualidade e do entendimento geral do projeto”.

Se o concurso é bem planejado, com comissão julgadora formada por arquitetos experientes no tema, não há porque demandar mais. Exigências abusivas limitam a participação dos arquitetos jovens ou que não tem recursos vultosos para investir em concursos. Apresentações super-produzidas proporcionam boas exposições, é certo, mas em pouco (ou nada) contribuem para a análise dos trabalhos no que realmente interessa: a qualidade das propostas arquitetônicas.

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