por Fabiano Sobreira (*)
“A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa…”
Esse é um trecho do Art. 3° da Lei de Licitações (Lei 8666/1993), que define – entre outras coisas – como deverão (ou deveriam) ser contratados os projetos e serviços relativos às obras públicas.
Esse instrumento legal também estabelece – como nosso leitor já deve estar cansado de ler neste portal – que “ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso”, como deveria ser o caso dos projetos de arquitetura, urbanismo e paisagismo.
Pois bem. Acaba de ser aprovada no Congresso Nacional a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2011 que isenta as obras da Copa 2014 e das Olimpíadas de 2016 das exigências da Lei de Licitações[i].
Perguntamos: será que isso significa que os bilhões de reais a serem consumidos nesses grandes empreendimentos públicos poderão ser aplicados segundo os princípios básicos da ilegalidade, da pessoalidade, da imoralidade e da desigualdade? Afinal, dispensa de licitação significa falta de transparência, ausência de controle e espaço à corrupção e ao desvio de verbas públicas.
Se já denunciávamos e lamentávamos neste portal a ausência de concursos e a falta de transparência no desenvolvimento dos projetos para a Copa2014 e para as Olimpíadas de 2016 (contrariando as recomendações da legislação federal), constata-se agora que o problema é muito maior: não apenas os milhões de reais em projetos, mas os bilhões a serem gastos na execução dos empreendimentos estarão totalmente fora do controle (por mais que o TCU e o Congresso Nacional defendam que a fiscalização será mantida, não se sabe como). Para citar apenas um entre vários exemplos, ainda em fase de projetos: o projeto para o Estádio das Dunas, a ser construído na capital potiguar, foi contratado por dispensa de licitação baseada em “notório saber”, no valor de 27 milhões de reais, e está sob investigação do Ministério Público daquele estado[ii].
Alega-se que se trata de uma situação emergencial, que não se pode colocar em risco o cronograma de obras desses dois grandes eventos (!). Como será possível, ainda em 2010, alegar emergência sobre eventos que ocorrerão em 2014 e 2016 ? A fórmula parece infalível aos mal-intencionados: falta de planejamento, que leva a situações de emergência, que leva à dispensa de licitação, que leva à ausência de controle… e o resultado final já sabemos qual será.
Enfim, eventos que poderiam ser oportunidades de crescimento, de desenvolvimento e de sustentabilidade (para utilizar a palavra da moda) se mostram cada vez mais como oportunidades de favorecimento, desvio e corrupção – consequências quase que inevitáveis de projetos sem concursos e obras públicas sem controle.
[i] Fontes: “Obras da Copa e Olimpíadas no Brasil podem não ter licitação” (www.estadao.com.br); “Lei de Diretrizes Orçamentárias flexibiliza regras para licitações” (www.piniweb.com.br)
[ii] Fonte: “Custo do projeto de Natal é questionado por Ministério Público” (www.copa2014.org.br)
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(*) Arquiteto e Urbanista. Editor do portal concursosdeprojeto.org . Arquiteto e Analista Legislativo da Câmara dos Deputados. Diretor Cultural do Instituto de Arquitetos do Brasil. Professor do Centro Universitário de Brasília.
O mais interessante é que não vejo nenhum comentário contra a malfadada Lei 8666, que não dá opção (além de concurso), e que originou mais este “pacote”. A nossa situação profissional somente mudará quando conseguirmos voltar à 1993, época desta famosa lei das licitações, quando era proibida a licitação por menor-preço de criações intelectuais.Sem falar na grande estupidez de licitar projeto de arquitetura por pregão eletrônico!
O CREA e o IAB?! Cadê?! O que estão fazendo?! Só emitindo NOTA?! Isso também é absurdo!! A instituição tem representação para atuar e solicitar atuação de seus associados em defesa da categoria!!! O Ministério Público?! CADÊ?!?! Só age se alguém denunciar!!!
Caro Fabiano, parabéns pelo texto.
Infelizmente, o Estado Brasileiro não sabe transformar crise em oportunidade, e decididamente, dá de ombros para democracia.
A crise, claro, está na Lei 8.666, em sua forma atual . Se ela não consegue garantir a livre concorrência sem que torne qualquer licitação num pesadelo de recursos jurídicos (que pode se arrastar por tempo indefinido) e inconsistências técnicas, deveria haver (ou melhor, ter havido) uma força-tarefa política para que ela fosse aprimorada com urgência.
Não pela Copa, ou pela Olimpíada, mas porque qualquer projeto ou obra pública deveria ser contratada com segurança de que os prazos e escopos serão cumpridos.
Hoje, o atraso da burocracia se espelha no atraso técnico, e como os politicos se acostumaram a inaugurar esqueletos, fica tudo por isso mesmo. Mas com a data marcada para a bola rolar, fica claro que que Lei não oferece a segurança necessária para ser usada.
Isso posto, é essa é a lei que temos, e é a única forma de concorrência democrática em vigência para a contrataçõe de serviços pelo poder público.
Atropelá-la é atropelar a democracia, coisa que de resto, esse governo atual, se não consegue fazer no atacado, deita e rola no varejo!
Em resumo, ficamos com a tirada anônima circulando por aí:
“O Brasil não faturou a Copa de 2010, mas certamente vai superfaturar a de 2014”
o clubinho dos bem relacionados ( afortunados ) fechou…e olha que o Sr. Imobiliário ja comprou título vitalício! Ao lado de Cabral, Eduardo Paes, Serra, Kassab……..
Olá Marília,
Agradeço por sua visita e comentário no portal.
Para maiores esclarecimentos sobre a questão do ‘modismo’ da sustentabilidade, ao qual me referi, seguem abaixo alguns links para artigos e conferências que escrevi/apresentei sobre o assunto:
Arquitetura e Sustentabilidade: os riscos da onda verde. Reflexões sobre a retórica ambiental nos concursos de arquitetura.
Concursos de arquitetura e sustentabilidade: entre a retórica e a prática.
Concursos e Sustentabilidade: os riscos da onda verde.
att
Fabiano Sobreira
editor
concursosdeprojeto.org
Engraçado como esse tipo de retrocesso já não nos surpreende. Prejuízo para os arquitetos, engenheiros e construtores excluídos do processo e, pior, prejuízo para a sociedade. Estão novamente esquecendo da democracia em detrimento dos interesses e da conta bancária de poucos, infelizmente.
Imoral e com certeza uma cicatriz no rosto da Democracia.
Olá Fabiano,
Concordo ser um absurdo aprovarem os projetos sem licitação mas por favor, não trate a sustentabilidade como um modismo, é uma necessidade, procura saber mais sobre o assunto,um abraço, Marilia Castilho(arquiteta)
Uma boa oportunidade, agora, é conhecer o balanço da jabulani…
já começa a ser medido o prejuízo que tomou a África do Sul ao embarcar nesta “sociedade caracu”.
Cabe, então, a nós, escolher:
jabaculê ou jabiraca?
Mai uma vez a BANDALHERIA estará consolidada caso não sejam tomadas medidas cabiveis para a grande farra programada. Isso será uma jurisprudência danosa e descabida para o futuro de nosso País. A festa esta sendo reservada a poucos. A ética profissional está em xeque, realmente será um momento sublime para o exercicio pleno de nossos representantes se pronunciarem, principalmente nossas entidades de classe. E a midia, espero, deve dar o espaço merecido a este tema urgentemente. Ainda acredito no bom senso de alguns diante ao tamanho descalabro anunciado. BOA SORTE, BRASIL.
Brasil-sil-sil-sil! Super Lula…
Sorte das concreteiras e dos escritórios de arquitetura envolvidos.
Agora podemos comprovar a falta de reconhecimento da profissão. Onde define-se, por debaixo das mangas, quem receberá uma pequena bagatela de milhões para desenvolver projetos tão vergonhosos como o nosso grande investimento do PAN, Estádio João Havelange.
Concordo,é lamentável,será que é possivel reverter esse quadro? Será que ainda à tempo?
Viva o caixa 2, a corrupçao, a republica das bananas e sua democracia! hahaha so rindo pra nao chorar………deprimente
Foi tudo avisado quando era tempo, quando fizemos a carta aberta no ano passado.
Copa, Olimpíada, tudo feito na base do sigilo, da falta de transparência, da ilegalidade. Onde estão os estudantes nas ruas, que sempre atendem ao chamado da imprensa a cada “escândalo”?
O pior, para as cidades, vai ser ter que conviver com os projetos de baixa qualidade arquitetônica que estão arrumando, com alumínio, vidro e outros materiais igualmente frágeis para esse tipo de programa. O custo de manutenção vai para as alturas.
Lamentável.
Este é o Brasil, tal fato alé de ser ilegal, é imoral, o que torna tudo muito pior, visto que o Brasil é o único país onde a imoralidade não representa ilegalidade. Pois este ato conseguiu, ser imoral e ilegal. O mestre Oscar dissse que “ninguém entende a arquitetura”, e isto é verdade. Só dou um exemplo de como nossa classe de trablho virou um antro de “prostituição trabalhista” sem controle: Por acaso alguém viu uma nota de repúdio do Crea que seja? Colegas, estes acontecimentos sujam o nome da nossa profissão, e demonstram aos jovens brasileiros que ser arquiteto é mais um estilo de vida do que uma profissão. Por que arquitetos profissonais, pelo menos aos olhos da lei, são somentes os “notórios”. Nossa arquitetura esta na mão de um seleto grupo de caquéticos arquitetos. E pelo jeito a arquitetura vai e morrer com eles.
O trabalho de divulgação e conscientização do colega Sobreira é mais que louvável – a sociedade não pode ficar muda perante o estado de ilegalidade. Para onde estaremos caminhando? Não somente a questão de gestão pública, mas também a posição do país perante a comunidade internacional estão em jogo – caso hajam problemas sérios na organização dos eventos mencionados, certamente haverá igual impacto comercial, e internamente político, dando margem novamente à instabilidade, perceptível já no cenário atual, e à lembranças nada agradáveis de eventos do passado.