por Fabiano Sobreira, arquiteto e urbanista

ipod

Em 21 de novembro de 2008 foi lançado o edital do Prêmio Projeções, promovido pela ACIC (Associação Comercial e Industrial de Chapecó) e pela UNOCHAPECÓ (Universidade Comunitária Regional de Chapecó), que tem como objetivo – de acordo com o referido documento – “motivar e estimular o desenvolvimento e a produção de projetos e soluções inovadores, voltadas para o desenvolvimento urbano em Chapecó, nos próximos 10 anos”.

Partimos do pressuposto que a intenção dos promotores é a melhor possível e que tudo não passa de uma sucessão de equívocos. Mas – independente da intenção – é preciso alertar para os problemas que o referido “prêmio” traz e que pode trazer futuramente, da forma que está anunciado.

Se não fosse um edital de um concurso nacional de projetos de desenvolvimento urbano, poderíamos sugerir a sua utilização como um documento (anti)pedagógico, a ser utilizado como referência a promotores de concursos no Brasil, e que poderia ser intitulado: “como não promover concursos de projeto – jogo dos sete (ou mais) erros”.

Listemos alguns erros e “curiosidades” do referido edital:

1. Apesar da denominação “prêmio”, trata-se de um concurso de abrangência nacional. Prêmios são baseados em produção já realizada ou já idealizada, enquanto concursos sugerem a elaboração de contribuição inédita e específica para um objeto determinado;

2. O referido concurso nacional é “aberto a estudantes, profissionais e demais pessoas da sociedade”. Não fica claro no edital se é um concurso de idéias para estudantes ou um concurso de projetos para profissionais (que profissionais?). Além disso, quem são as “demais pessoas da sociedade” – conforme sugere o edital – habilitadas a apresentar propostas de desenvolvimento urbano ?

3. Não está clara a habilitação do profissional, ou mesmo se deve haver um arquiteto e urbanista – ou outro profissional habilitado no tema do concurso – responsável por cada equipe.

4. Se o edital se refere a um concurso de idéias, é preciso distinguir os objetos e as premiações entre os dois grupos de participantes – afinal, estudantes e profissionais não deveriam concorrer entre si.

5. Se o edital se refere a concursos de projetos de desenvolvimento urbano com objetivo de execução, deveria ser aberto apenas a profissionais habilitados nas disciplinas relacionadas ao tema.

6. Apesar de tratar-se de concurso nacional de desenvolvimento urbano, o edital deixa claro que “não serão fornecidas quaisquer informações ou bases cartográficas”, o que compromete a isonomia do processo entre as equipes locais e as demais equipes, de outras partes do país;

7. O objeto do concurso é altamente complexo e envolve, entre outros elementos: “um novo desenho urbano do centro, abrangendo seus espaços públicos e privados e sugerindo um reestudo da conformação morfo-tipológica e funcional”; “demandas geradas pelos fluxos dos usos industriais e aeroviário”; “uso ambientalmente sustentável da rodovia e adjacências, requalificando as atividades e apresentando alternativas econômicas viáveis”, “soluções urbanas capazes de amalgamar o espírito comunitário e assim reverter situações de vulnerabilidade social”. Para “compensar” a alta complexidade do objeto a ser projetado, vamos aos prêmios:

1° Lugar – viagem Chapecó – Buenos Aires – Chapecó – o caráter nacional do concurso e a isonomia ficam mais uma vez comprometidos, já que para usufruir do prêmio o eventual vencedor, se não for habitante da cidade, tem que se deslocar para Chapecó.

2° Lugar – iPod (!) – “motivar e estimular o desenvolvimento e a produção de projetos e soluções inovadores, voltadas para o desenvolvimento urbano em Chapecó, nos próximos 10 anos”; “desenho urbano do centro”; “…conformação morfo-tipológica e funcional”; “demandas geradas pelos fluxos…”; “alternativas econômicas viáveis..”; “soluções urbanas capazes de amalgamar o espírito comunitário”… tudo isso, e em troca de… um iPod (!).

Acho que não precisamos comentar o terceiro prêmio.

Enfim… fica de fato uma sensação de que nós, arquitetos e urbanistas e a nossa profissão, não estamos sendo bem compreendidos, ou não nos fazemos entender.

Afinal, para que serve o arquiteto e urbanista? Qual seu papel na construção e manutenção das cidades, dos espaços coletivos, das edificações públicas, dos monumentos e dos “objetos” do cotidiano? O que se deve esperar como produto resultante do trabalho desses profissionais? Como se estabelece a relação entre o arquiteto e urbanista e os demais profissionais envolvidos na produção do ambiente construído e do desenvolvimento urbano das cidades? Por mais simples que pareçam algumas dessas questões e por mais óbvias que pareçam as (eventuais) respostas, veremos que há certo ruído, certa distorção na imagem do arquiteto e urbanista e de seu papel na sociedade. Mesmo entre os profissionais, veremos que não há consenso.

Se esse questionamento for lançado aos cidadãos comuns e aos administradores públicos – usuários e clientes em potencial dos produtos idealizados pelos arquitetos e urbanistas – o ruído inicial se transformará em uma orquestra de mal-entendidos que nos conduzirá ora para a supervalorização da profissão, criando uma imagem mítica – quase surreal do arquiteto e urbanista; ora para a sua total desqualificação – como sugere o referido concurso.

Os debates recentes em torno dos concursos de projeto no Brasil apresentam exemplos desse repertório de interpretações destoantes e pouco convergentes sobre a profissão e sua relação com os empreendedores e gestores (públicos ou privados).

Do episódio da Companhia de Dança de São Paulo (ver textos e comentários na série Debates, em Novembro.2008) podemos ressaltar os conflitos entre as múltiplas e divergentes personalidades do arquiteto e urbanista: de um lado, o arquiteto superstar, notório especialista, inflexível e autoritário, corporativista; do outro, o arquiteto como profissional liberal que se esforça pela promoção de uma política pública fundamentada na arquitetura como tema de interesse coletivo.

Do Concurso Internacional no Rio de Janeiro (ver notícia e comentários relacionados) fica a imagem do arquiteto que é utilizado – por meio de sua arquitetura – como instrumento para a difusão e promoção de idéias e projetos sem fundamentação clara e de propósitos questionáveis ou desconhecidos. Diante da carência de oportunidades para o exercício do espírito criativo, um concurso internacional para “projetar” uma torre de 100 metros, que deve ser coroada por leds ultravioleta e ser implantada em “ponto estratégico” no Rio de Janeiro. Prêmio principal: uma audiência com o governador.

De um lado, o esforço pela consolidação dos concursos de projeto como instrumento democrático e transparente para a promoção dos espaços e edificações públicas. Do outro, o esforço para evitar que esse mesmo instrumento seja utilizado como plataforma para o lançamento de idéias sem compromisso, sem contextualização e que desqualifiquem a profissão.

Mais uma vez: que pesem as boas intenções dos promotores, esse concurso/prêmio nacional não vai trazer grandes contribuições à cidade de Chapecó, se a idéia é trocar o desenvolvimento urbano da cidade por um iPod de última geração. Mas ainda há tempo pra mudar, afinal, entre as “curiosidades” do edital resta destacar que os promotores “a seu exclusivo critério, a qualquer tempo, se julgar necessário, poderão alterar as regras do presente regulamento”.